Considerado expert em escavação, protagonista dos mais ousados ataques a banco no país, Raimundo Pereira de Sousa, 52 anos, que também usa documentos como Raimundo de Souza Pereira, mesma idade, foi preso novamente dentro de um túnel para furtar dinheiro de caixa-forte.
Cara Chata ou Piauí, como é chamado, participou do furto de R$ 164,7 milhões do Banco Central, em Fortaleza (CE), em 2005, e da tentativa de raspar R$ 200 milhões dos cofres das agências matriz da Caixa Federal e do Banrisul, em Porto Alegre, um ano depois. Apesar de condenado nos dois crimes, estava solto desde o ano passado.
A mais recente captura de Raimundo ocorreu na quarta-feira em um buraco de dois quilômetros de extensão e quatro metros de profundidade no bairro da Barra da Funda, na capital paulista. O túnel estava numa loja desocupada, alugada por uma quadrilha de traficantes de drogas que financiaria a empreitada criminosa.
Leia mais:
Como a polícia frustrou a maior fuga da história dos presídios do RS
As diferenças e as semelhanças do túnel e o plano para roubar bancos em 2006
Mapa do túnel: como é e onde fica o espaço utilizado em plano de fuga
O ponto final da escavação ainda suscita especulações. A obra estava bem próxima do Fórum Criminal da Barra Funda, o que levantou suspeitas de que o objetivo dos bandidos fosse invadir o local para furtar objetos apreendidos em processos, como armas e drogas. Mas, de acordo com a Polícia Civil paulista, o destino seria o cofre de uma empresa de transporte de valores das imediações, conforme teria confessado o próprio Raimundo após ser preso com um comparsa.
A nova prisão de Cara Chata chamou a atenção de autoridades gaúchas. O delegado da Polícia Federal (PF) José Antônio Dornelles de Oliveira lembra bem de Raimundo, o homem que coordenou o túnel aberto a partir de um prédio “em obras”, nas esquina da Rua Caldas Junior com a Avenida Mauá, no centro de Porto Alegre.
– Era o mestre de obras deles, especialista no assunto, o toupeira-mor – recorda Dornelles, que chefiou a Operação Toupeira da PF, resultando na prisão de Raimundo e de 28 comparsas, quase todos oriundos do Nordeste e de São Paulo, ligados à facção Primeiro Comando da Capital (PCC).
Ladrão havia sido condenado a 7 anos
Raimundo era o elo dos chefes da quadrilha com os "operários" e tinha sido contratado para organizar a escavação de túneis em Fortaleza, depois em Maceió (AL) – fracassada – e em Porto Alegre, quando foi preso pela primeira vez. Dornelles lembra que Raimundo foi condenado a mais de sete anos, pena considerada elevada, por se tratar de tentativa de furto.
– Ele e parte do bando foram enquadrados também por formação de quadrilha porque, em depoimentos, admitiram que, quando pegassem o dinheiro dos cofres, teriam apoio de um grupo armado para reagir a eventual confronto. Agiriam com violência – assegura o delegado.
Conforme Dornelles, até 2011, grande parte da quadrilha esteve presa no Estado, mas, à medida que ganhou direito ao regime semiaberto, fugiu.
– Entre 2005 e 2017, cometeu dois grandes crimes, em Fortaleza, o maior furto no Brasil, e, em Porto Alegre, que, certamente, seria na mesma proporção. Quanto tempo ele ficou na cadeia? Qual a recuperação dele? Nenhuma. Se for solto vai continuar cavando túnel – lamenta o delegado.
__________________
O CURRÍCULO E AS OBRAS DO "TOUPEIRA"
- Em um final de semana de agosto de 2005, Raimundo Pereira de Sousa, 52 anos, comandou a escavação de um túnel de 80 metros que chegou à caixa-forte do Banco Central de Fortaleza (CE). O bando levou 3,5 toneladas de cédulas, a maioria de R$ 50, totalizando R$ 164,7 milhões. O crime gerou denúncias contra 133 pessoas.
- Meses depois do ataque no Nordeste, o bando se aliou a um contrabandista de cigarros paraguaio para furtar o cofre do banco ABN-Amro, de Assunção. Há suspeitas de Raimundo também estava no comando da quadrilha que teve de abandonar a escavação ao despertar atenção de bancários, quando usaram bombas de sucção para se livrar de infiltrações de água.
- De volta ao Brasil, Raimundo comandou a abertura de um túnel em Maceió (AL), visando a alcançar dois cofres, um de agência da Caixa Federal, e outro da Nordeste Transporte de Valores. O plano foi abortado quando uma enxurrada inundou o buraco, quase matando dois dos "tatus".
- Em setembro de 2006, Raimundo e outros 28 comparsas foram capturados pela PF cavando um túnel de 80 metros, em Porto Alegre. Ele estava sendo monitorado desde Fortaleza, a partir de um cartão telefônico pré-pago apreendido pela PF, que descobriu números de celulares do bando.
- Ao ser preso em Porto Alegre, Raimundo disse ter ficado com apenas R$ 300 mil dos R$ 164,7 milhões levados do Banco Central cearense porque policiais descobriram o esconderijo onde ele enterrou uma mala com R$ 12 milhões, em Fortaleza.
- Os R$ 164,7 milhões viraram maldição nas mãos dos bandidos. De 133 suspeitos, 94 foram condenados. Cinco morreram em brigas pela divisão de valores e outros 15 foram alvos de sequestros e extorsões. Foi recuperado apenas 15% do total furtado, pequena parte em espécie e o restante com bloqueio de contas bancárias e leilões de veículos e imóveis comprados pelo bando. De tão inusitado, o caso rendeu dois livros e um filme.