Um projeto que criaria a maior rede de monitoramento da América Latina tornou-se um exemplo de desperdício de dinheiro público no Rio Grande do Sul. Prometido em 2011, um sistema de 178 câmeras de vigilância espalhadas em 24 cidades do Litoral Norte tem, hoje, somente 20 em funcionamento – ou seja, quase 90% estão fora de atividade. No ano passado, levantamento idêntico feito por ZH mostrou 47 operando – 27% do total.
Para instalá-las, o governo federal gastou, em valores atualizados, R$ 17,3 milhões – dinheiro equivalente ao custeio de mais de 350 policiais militares durante um ano inteiro, por exemplo. Mas a descontinuidade do plano fez da cifra milionária uma despesa de pouca serventia.
O investimento deu-se por meio do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), via Ministério da Justiça, em um convênio firmado com um consórcio vinculado a prefeituras da região. O contrato previa a colocação das câmeras, mas nada dizia sobre a sua manutenção. Assim, a maioria terminou abandonada logo após a primeira pane.
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– O consórcio foi âncora de um projeto mirabolante que, no fim, caiu no colo dos prefeitos – reclama o atual presidente do consórcio, Paulo Lang (PT), prefeito de Palmares do Sul.
Conforme o projeto original, uma faixa de quase 300 quilômetros, de Tavares a Torres, seria conectada pelo monitoramento em vídeo. Cada cidade contaria com uma pequena central para o acompanhamento das imagens em tempo real, e quatro centrais regionais integrariam todas as imagens. Nas estradas, ainda haveria câmeras para identificar veículos irregulares que emitiriam um sinal de alerta para a Brigada Militar (BM). Em alguns pontos, a polícia poderia ser acionada ao clique de um botão. Nada disso se concretizou.
Danificados pela maresia ou por curto-circuitos, os equipamentos seguem nos postes, mas a imensa maioria sem qualquer utilidade há anos. Mesmo assim, as prefeituras garantem a intenção de consertá-los, a BM reforça a importância de acioná-los e ambas formam um jogo de empurra que parece distante de um desfecho.
Os municípios reclamam da escassez de dinheiro para manter um sistema que estaria defasado e alguns inclusive desconhecem em que condições está. O presidente do consórcio à época da instalação do sistema, Joelci da Rosa Jacobs (PP), ex-prefeito de Terra de Areia, ainda identifica outro entrave: a falta de pessoal para monitorar as imagens.
– O projeto emperrou no convênio com o governo estadual. A BM precisaria fazer o monitoramento, mas não havia gente disponível, como não há até hoje. No momento em que tiver efetivo para operar o sistema, cada município vai assumir a responsabilidade pelo funcionamento. O problema é que se arruma e, depois, não se coloca pessoal para fazer o monitoramento. Aí, não resolve nada – queixa-se.
Não é o que diz a BM. Comandante do 2º Batalhão de Policiamento de Áreas Turísticas, o tenente-coronel Almiro Damásio Filho garante que seria possível adaptar escalas para fazer a vigilância via imagens:
– Uma vez efetivado o sistema, teríamos condições de realizar o monitoramento concentrado em cidades maiores para, a partir de alguma ocorrência, despachar viaturas. Não há dificuldade alguma. O videomonitoramento é uma das ferramentas da modernidade que auxilia na versatilidade da polícia ostensiva. Não dá para ser dispensado.
Uso só em cinco cidades da região
Em meio ao cenário de negligência, a Associação dos Municípios do Litoral Norte (Amlinorte), entidade vinculada ao consórcio que intermediou o projeto, decidiu repassar a gestão dos equipamentos às prefeituras. Isso porque, como não estava previsto no contrato, o cuidado com as câmeras permanecia em um limbo.
Nas cinco cidades que mantêm o videomonitoramento ativo – Mampituba, Caraá, Balneário Pinhal, Palmares do Sul e Capivari do Sul –, as prefeituras assumiram integralmente a administração do sistema, providenciaram o conserto e acertaram parcerias com a polícia. Em Capivari do Sul, o município investiu R$ 11 mil para reativar parte das câmeras, atualmente monitoradas pelo quartel da BM. O mesmo ocorreu em Balneário Pinhal, onde sete equipamentos em pontos estratégicos voltaram a operar há duas semanas.
– As câmeras são um avanço porque a cidade fica monitorada. Em uma localidade pequena como a nossa, fora da temporada, a gente conhece todo mundo. Se entra um carro suspeito, podemos consultar a placa no mesmo momento e ver em que situação está – exemplifica o sargento Francisco Crisóstomo, responsável pelo sistema em Balneário Pinhal.
O processo de municipalização das câmeras começou em 2015. Até hoje, 14 das 24 prefeituras assinaram o termo de doação – as demais não demonstraram interesse em assumir os custos. Mas nem esse processo parece claro entre os municípios e grande parte permanece imóvel.
– A verdade é que nunca funcionou direito. Quando as câmeras estragaram, contratamos uma empresa para fazer o conserto, mas ficou muito caro e a prefeitura não tinha verba. Hoje, não temos notícia de como está – conta o secretário de Segurança Pública e Trânsito de Imbé, Marco Antônio da Silva.
– O grande problema é que essa situação ficou em abandono por muito tempo e muita informação se perdeu – reforça o secretário de Administração e Fazenda de Três Cachoeiras, Lindomar Scheffer.
Conforme o prefeito de Itati, Flori Werb (PP), a transferência chegou a ser discutida, mas nunca foi formalizada. Ele está entre os gestores que solicitou a municipalização e promete dar sobrevida ao projeto de videomonitoramento:
– Realmente, o setor público tem de repensar muita coisa.