As autoridades já percebiam os riscos de confronto nos presídios do Amazonas há pelo menos um ano. Conforme documentos obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo, a Polícia Federal descobriu, durante a Operação La Muralha, "planos para o assassinato de todos os membros" do Primeiro Comando da Capital (PCC), originária de São Paulo, pela Família do Norte, facção amazonense alvo da ação policial de novembro de 2015.
Um relatório da operação aponta que mensagens interceptadas "deixam claro que a FDN tem uma forte relação ou aliança com o Comando Vermelho", facção criminosa do Estado do Rio, e a rixa com "os membros do Primeiro Comando da Capital". Segundo a investigação policial, o que evitava o projeto da quadrilha local de matar os rivais era "o fato de todos os presidiários de Manaus que tinham vínculos com os referidos grupos criminosos estavam custodiados em ala própria no Centro de Detenção Provisória – CDPM, pavilhões 01 e 02, apelidados de 'seguro', sob forte proteção policial". Foi no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) onde ocorreu a matança de 56 presos.
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Por trás do massacre, está a disputa de poder no controle do tráfico no país. Envolve o PCC e o aliado da Família do Norte, o Comando Vermelho (CVV), bando formado no Rio de Janeiro. A briga sangrenta revela como o tráfico transnacional de drogas transformou-se em uma atividade organizada por facções.
Apontado como responsável pelas mortes, a FDN é um dos grupos que surgiram nos Estados para conter o PCC – a FDN é apontada pela Polícia Federal como a terceira maior facção do país.
A Família é resultado da união de dois grandes traficantes, Gelson Lima Carnaúba, o Mano G, e José Roberto Fernandes Barbosa, o Pertuba. Segundo a PF, após passarem uma temporada cumprindo pena em presídios federais, os dois retornaram para Manaus, em 2006, determinados a se estruturarem como uma facção criminosa. O resultado é o grupo que foi alvo da operação La Muralla, em 2015, flagrado movimentando milhões por mês com o domínio da "rota Solimões" – usada para escoar a cocaína produzida na Bolívia e no Peru por meio dos rios da região amazônica.
Embora seja aliada do CV, a FDN nunca aceitou ser subordinada a nenhuma outra organização. No inquérito que deu origem à La Muralla, os investigadores perceberam que o PCC estava "batizando" criminosos amazonenses de modo a aumentar a presença no Estado. Essa ação desagradou a FDN, que ordenou a morte de três traficantes ligados à facção paulista.
À época, CV e PCC eram aliados e mantinham negócios juntos, e a FDN estava fragilizada pela Operação La Muralla. Cerca de um ano após iniciar a perseguição ao PCC, e agora com o apoio do CV, a FDN pôs em prática o plano de acabar com a facção paulista no Amazonas.
Tática parecida o PCC já havia empregado em presídios de Roraima e Rondônia, em outubro de 2016. Rebeliões causadas pela guerra entre as duas facções causaram 18 mortes em presídios dos dois Estados. Segundo o governo de Roraima, 10 detentos foram mortos na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, após uma ordem vinda do Rio. Em Roraima, Valdineys de Alencar Sousa, o Vida Loka, líder do CV, e Leno Rocha de Castro, o segundo em comando, estavam entre os mortos.
Investigadores acreditam que integrantes do CV pediram à FDN que executasse integrantes do PCC em Manaus.
– Esse massacre foi um choque entre uma facção que se tornou internacional com uma local. O Estado não pode admitir que o crime organizado conquiste espaço. Deve reprimir com dureza e não fazer acordos – disse o procurador Marcio Sérgio Christino.
Atualmente, o PCC domina o tráfico de drogas na favela da Rocinha, no Rio, o que aumenta a tensão com o CV. Com cerca de cem mil moradores, a favela é considerada pela polícia a área do Rio onde o tráfico de drogas é mais rentável. A comunidade era dominada pela Amigo dos Amigos (ADA), facção rival do CV. O PCC firmou uma parceria com a ADA, aliança que começou na rua e teve reflexos nos presídios. Em Bangu 4, bandidos que aderiram ao PCC pediram transferência para uma ala destinada à ADA.