Na última década, o Instituto Psiquiátrico Forense Maurício Cardoso (IPF) – responsável pela custódia de pacientes psiquiátricos que cometeram delitos em todo o Estado –, tem sido palco de interdições, descaso e uma série de descumprimentos de ordens judiciais.
Em um dos acordos mais recentes, assinado em dezembro de 2015, o Governo do Estado se comprometeu a reformar seis pavilhões, o prédio da triagem e a cozinha, que foram deteriorados pelo tempo e falta de manutenção, com doação de R$ 4,8 milhões do Tribunal de Justiça. O dinheiro foi arrecadado pelas prestações pecuniárias (pena alternativa paga em dinheiro) de 52 Varas de Execução Criminal do RS.
– Antes da assinatura (do convênio) já sabíamos que haveria necessidade de aditamento, pois não foi incluído no orçamento a execução da parte elétrica. O Poder Executivo irá verificar se tem como custear o restante ou se a reforma deixará de lado um dos prédios para se adequar ao valor – diz o documento assinado em julho pela procuradora do Estado Roberta Aribiane Siqueira.
Questionada pela reportagem, a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), que é responsável pela gestão do IPF, justificou que a Secretaria de Obras precisa atualizar mais uma vez o orçamento, por isso não iniciou o processo de licitação.
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– É inadmissível o Poder Executivo ter quase R$ 5 milhões (disponíveis) há um ano e se comporta como se não fosse prioridade. Eles tem que dar prioridade (à reforma do IPF) e fazer uma força-tarefa para atender a essa demanda – avalia o juiz-corregedor do Tribunal de Justiça, Alexandre de Souza Costa Pacheco.
Enquanto o convênio da reforma não anda, o IPF acabou sendo novamente interditado, em julho, pelo juiz da Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas de Porto Alegre, Luciano Losekann. O motivo foi a falta de limpeza e de cuidados com a manipulação dos alimentos. Segundo o procedimento de interdição, as empresas terceirizadas haviam deixado de prestar os serviços por falta de pagamento do Estado. Em inspeção, o magistrado flagrou os próprios pacientes limpando os pavilhões e cozinhando.
– O que se viu é estarrecedor: as unidades, quase todas, invariavelmente sujas, pois os pacientes judiciários, diferentemente de segregados comuns, não possuem o mesmo discernimento e condições de realizar as atividades diárias – destaca o juiz.
Dois meses após Losekann ter considerado tortura o uso de mão de obra de pacientes, ter responsabilizado pessoalmente o governador do Estado e o secretário de Segurança Pública pelo descaso e ter encaminhado o caso à Procuradoria-Geral da República, os serviços terceirizados foram retomados por meio de contrato emergencial de 180 dias e o instituto foi desinterditado. A Susepe garante que está providenciando licitação antes que o contrato termine.
A inspeção deste ano foi realizada com o intuito de verificar se a interdição parcial que já havia sido decretada em junho de 2015 estava sendo cumprida. O objetivo era reduzir o número de segregados oferecendo condições e tratamento para eles retomarem o convívio familiar, recuperar o mínimo da estrutura e possibilitar condições mais humanas aos pacientes.
Nos últimos dois anos, o número de pacientes foi reduzido pela metade. Losekann está responsabilizando os municípios nos casos em que é possível manter os pacientes em residenciais terapêuticos ou sob os cuidados dos centros especializados em saúde mental.
– A situação está um pouco melhor. A intenção (de limitar entrada) é reservar (o IPF) para os que são psicóticos e precisam de tratamento rigoroso. Quando o paciente é morador de rua e não tem família, aí a dificuldade é grande. Os residenciais terapêuticos para onde deveriam ser levados, nem sempre existem nos municípios – destacou Losekann.
Estrutura física precária
A reportagem visitou as instalações do IPF e constatou que os serviços de limpeza e alimentação foram retomados pelas empresas terceirizadas. Embora não estejam mais convivendo com o lixo e a sujeira, os funcionários reclamaram da falta de profissionais e da precariedade na estrutura física.
– Temos carência de pessoal, de material, de tudo. Houve um tempo aí que a gente não tinha nem papel higiênico para oferecer aos pacientes – disse um agente penitenciário que não quis se identificar.
Na ala da triagem, onde ficam os presos que aguardam resultado de laudo psiquiátrico e os apenados do sistema prisional que sofreram algum tipo de surto, boa parte das câmeras de vigilância das celas estão quebradas. Segundo um dos agentes, o contrato com a empresa que fazia a manutenção das câmeras foi cancelado.
– As câmeras são enormes porque são muito antigas, então facilita que o preso quebre o equipamento. E quando quebra, não tem conserto – contou.
Detectores de metais que sobraram do investimento em segurança nos jogos da Copa do Mundo, enfeitam as entradas dos pavilhões, já que nunca foram ligados. Segundo a administração, não há dinheiro para fazer a instalação técnica dos equipamentos.
Exames ficam para 2018
A falta de profissionais de saúde e de agentes para cuidar da segurança dos presos foi um reclamação unânime entre os funcionários.
– Falta médico psiquiatra e técnico de enfermagem. Deveria ter, no mínimo, um técnico em cada unidade – observou um médico.
Funcionários denunciaram que a administração da unidade solicitou formalmente à Susepe contratação de pelo menos 17 psiquiatras, neurologista, clínico-geral, cinco assistentes sociais, seis terapeutas ocupacionais, 15 auxiliares ou técnicos de enfermagem, 24 agentes de segurança e profissionais para a área administrativa.
Até agora, os pedidos não teriam sido atendidos. Dois psiquiatras que passaram no concurso público de 2014 não quiseram assumir, mas o terceiro e quarto lugar ainda não teriam sido chamados.
A falta de profissionais impacta não só no atendimento aos pacientes, mas na fila de exames. O IPF é responsável pelos exames psiquiátricos solicitados em processos judiciais de todo o Estado. A prioridade é para os réus presos, mas tem exame de réu solto sendo agendado para maio de 2018. Segundo a administração da unidade, existem mais de mil réus aguardando resultados de exames. A demora acaba emperrando os processos judiciais.
O QUE DIZ A SUSEPE
Superintendente da Susepe respondeu as perguntas por meio da assessoria de imprensa
Por que, em sete anos, a Susepe não conseguiu cumprir o acordo de reforma e contratação de profissionais para o IPF?
Marli Ane Stock: Para a realização de concurso há necessidade de autorização do Governo do Estado, para 2017 já foi autorizado a contratação de 720 agentes penitenciários e agente penitenciários administrativo.
A Susepe tem um plano para cumprir essas obrigações previstas no TAC?
Marli: Assim que a Secretaria de Obras analisar e atualizar o orçamento disponibilizado pelo Tribunal de Justiça.
O Tribunal de Justiça disponibilizou o valor de R$ 4,8 milhões para ajudar nas reformas. Por que este dinheiro ainda não foi aproveitado? Há alguma previsão para usar o recurso na reforma?
Marli: O recurso disponibilizado pelo judiciário se refere a reforma de todos os pavilhões, no entanto a responsabilidade é da Secretaria de Obras, tanto o projeto como o orçamento. Neste momento, está em análise na Secretaria de Obras a atualização orçamentária, tão logo conclua este diagnóstico a Susepe dará início ao processo de licitação. Esta é uma obra com duração de 18 meses, em função do IPF ter paciente e não presos.
A Susepe pretende contratar mais profissionais para resolver o problema de recursos humanos no IPF?
Marli: A Susepe lançou no segundo semestre deste ano, o Edital Emergencial para a contratação de médico Psiquiátrico o qual resultou deserto, por falta de interessados também solicitou a Casa Civil a nomeação de médicos já aprovados em concurso público onde apenas um tomou posse.