A crise orçamentária do Estado provoca reflexos ainda mais graves na segurança pública em junho, ameaçando ampliar o colapso carcerário. A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) gastou, nos primeiros cinco meses do ano, toda a verba semestral prevista para o pagamento de horas extra dos funcionários, levando o diretor do Departamento de Segurança e Execução Penal (DSEP), Mario Luis Pelz, a mandar interromper o cumprimentos das horas de trabalho além da jornada desde quarta-feira, reduzindo ainda mais os serviços de segurança prisional.
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Conforme o diretor, que colocou seu cargo à disposição, há risco de motins e os detentos não têm condições de ser transportados por agentes penitenciários para audiências judiciais. Esses são apenas alguns dos problemas a serem enfrentados.
Em documentos internos da Susepe tornados públicos nesta quinta-feira pelo Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado do Rio Grande do Sul (Amapergs-Sindicato), Pelz relata que o órgão contará com apenas um servidor de plantão em prisões (com as horas extraordinárias, era possível que dois ou três agentes trabalhassem). Atendimentos de saúde, visitações e outros serviços também não terão condições de ser realizados, segundo o expediente. Pelz ainda coloca seu cargo à disposição ao dizer que "estamos trabalhando abaixo do mínimo de segurança".
Em um segundo texto – um e-mail enviado por Pelz na quarta-feira a diversos departamentos da Susepe –, o diretor declara que, a partir daquele dia, 1º de junho, não sejam lançadas horas extraordinárias em nenhum dos estabelecimentos prisionais do Estado. Entre os serviços a serem priorizados estão os de segurança das prisões, visitação e atendimentos.
"Os demais trabalhos dependerão da capacidade de cada local em executar as tarefas", diz o documento.
Em entrevista na manhã desta quinta-feira, Pelz confirmou as informações e informou que o e-mail foi enviado devido à falta de resposta da Secretaria da Fazenda referente a um pedido de mais verba para que as horas extras pudessem ser feitas.
– Os valores que temos são com base de 2015, mas eles não são mais suficientes, pois houve um aumento de presos, reajuste dos valores das horas extra, aumento de operações que demandam mais efetivo.
Por enquanto, explica o diretor, as atividades estão reduzidas. A superintendência da Susepe informou, por meio da assessoria de imprensa, que irá se posicionar sobre o caso durante a tarde.
Situação já era prevista pelos servidores
A falta de recursos na Susepe já havia sido alertada por funcionários e pelo sindicato ao longo dos últimos meses. Conforme o diretor da Amapergs-Sindicato, Flavio Berneira, desde o ano passado diversas audiências deixaram de ser realizadas pela falta de pessoal para o transporte dos presos, chegando ao pico de 70% de cancelamento das sessões na última semana:
– O problema principal é que o número de presos hoje é recorde, e o efetivo não aumentou. Hoje temos 34 mil presos, e chegaria a 44 mil se todos os mandados fossem cumpridos. Está impraticável operar com o efetivo que temos.
Atualmente, a Susepe conta com 3.775 agentes em todo o Estado, sendo necessário o cumprimento de cerca de 71 mil horas por mês para a manutenção razoável dos serviços – o que equivale à força de trabalho de 443 servidores.
Pelo orçamento do Estado, conforme detalhado por Pelz, os agentes não puderam cumprir em nenhum dos meses de 2016 o total de horas necessárias. Em janeiro, foram pagas 58 mil horas. Já em maio, somente 30.500 horas.
A suplementação do orçamento solicitada pela Susepe para o mês de junho é referente às 70 mil horas necessárias para o cumprimento das funções. Em coletiva de imprensa realizada também na manhã desta quinta-feira, o sindicalista Berneira fez um apelo aos órgãos do governo para buscar soluções:
– Não queremos que colegas nossos nem que a sociedade seja vitimada pela falta de segurança. Os poderes estão desafiados a buscar alternativas, a pensar em outras soluções para o problema, como a realização de audiências por videoconferência, por exemplo.
No começo da tarde desta quinta-feira, a Susepe divulgou uma nota oficial sobre o assunto. Leia a íntegra:
(Sobre o documento) interno divulgado hoje pelo sindicato da categoria penitenciária (Amapergs), a superintendente da Susepe, Marli Ane Stock, esclarece que o pedido de suplementação das horas extras já havia sido encaminhado para a Secretaria da Segurança Pública (SSP) e Secretaria da Fazenda (Sefaz), na segunda-feira (30).
Como já é sabido, atravessamos uma difícil situação financeira no Estado, com o contingenciamento de gastos e parcos recursos. Mas, para além deste cenário, a Susepe se depara com novas condições.
Alcançamos um número recorde de prisões no Estado. O número de presos, principalmente no último semestre (que se igualou ao número de um ano inteiro) alcançou um marco histórico. Hoje possuímos 34.197 mil apenados, entre homens e mulheres, de todos os regimes.
Decorrente disso, também houve um crescimento do número de prisões preventivas e, com elas, consequentemente o aumento nas requisições judiciais para apresentação de detentos em audiências.
Estes números impactam diretamente nos serviços operacionais, visto que hoje possuímos um déficit de servidores e necessitamos do uso de horas extras. diante deste contexto, se extrapolou a quantidade de horas extras previstas para o primeiro semestre.
A situação, porém, está sendo tratada entre SSP e Sefaz. Já está em tratativa também a abertura de um novo concurso público, e estuda-se a implantação de videoconferências, para melhor aproveitamento dos recursos públicos, bem como economia e agilidade nas apresentações judiciais (como já informado na sexta-feira).
A Susepe aguarda um retorno da Sefaz nos próximos dias e não cogita a saída do diretor do Departamento de Segurança e Execução Penal, Mario Pelz, acrescentando que este momento difícil só vem sendo superado devido ao grande comprometimento de todos os servidores penitenciários.