Alfredo Jerusalinsky é psicanalista, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. Doutor em Desenvolvimento Humano (USP).
Pesquisas e acontecimentos muito recentes levantam auspiciosas esperanças para o futuro dos autistas. A pesquisa realizada pelo doutor Michel J. Meaney, na Universidade McGill, Montreal, Canadá, verifica como os cuidados maternos sobre a prole de ratos podem permitir ou impedir que a sequência do gene que sintetiza os glicocorticoides seja transcrita para enviar sinais ao cérebro inibindo a produção de CRH (hormônio liberador de corticotrofina, para dar resposta fisiológica ao estresse). Pela sua vez, esse circuito epigenético regula a secreção pela hipófise de ACTH que incide sobre o estresse. O doutor Alexandro Ayala, pesquisador dos National Institutes of Health, nos Estados Unidos, verificou os mesmos resultados em macacos rhesus. Ou seja: o teor dos cuidados maternos provoca que determinados genes do DNA, embora não se modifiquem, se expressem ou não de modo a causar diferentes reações afetivas e condutais no filhote pela via epigenética. A precocidade na intervenção sobre a relação mãe-filho tem efeitos que, apesar da constituição genética, pode moldar esse vínculo de forma mais adequada às necessidades do bebê e de forma mais concordante com o environment.
Por isso, devemos celebrar que em 29 de março deste ano tenha se aprovado em caráter terminativo na Câmara de Deputados o PL 5501/13 que obriga o SUS a adotar um protocolo para detecção precoce de risco das doenças psíquicas de 0 a 18 meses. Cabe lembrar que é a psicanálise a disciplina clínica que desde mais antiga data sustenta o caráter estruturante das experiências primárias, desenvolvendo modos de intervenção precoce de efeito terapêutico onde a saúde mental aparece ameaçada.
O número de crianças diagnosticadas como autistas tem crescido vertiginosamente nos últimos 40 anos. De um autista para cada 20 mil crianças na década de 1970 passou-se, na atualidade, a um autista a cada 68 crianças. Quais as razões para tão surpreendente expansão? Vários fatos contribuíram para isso. A mudança de critérios diagnósticos: a supressão da categoria de "psicoses infantis" que implicou a migração de essas crianças para engrossar a população autista, a diversificação e aumento da quantidade de indicadores, a criação do conceito de Transtorno do Espectro Autista (TEA) que engloba crianças do mais alto ao mais baixo rendimento intelectual e com personalidades muito diferentes cujo agrupamento somente se justifica por partilharem da prevalência de automatismos mentais e comportamentais que dificultam severamente suas relações familiares e sociais. Cabe considerar, de acordo com estudos produzidos pela OMS e pela Organização dos Estados para o Controle Demográfico (organismo da UN), o significativo deterioro dos cuidados primários provocados pelas migrações constantes e forçadas, com o consequente aumento da miséria e da quebra da inserção cultural, e também pela desestruturação familiar. O deslocamento da média do momento da procriação para idades mais avançadas (o que aumenta o risco de erros genéticos). Transformação do papel social da mulher, ora desejosa de legitimar sua qualificação e sua autonomia, ora obrigada a participar do mercado de trabalho para contribuir à sustentação familiar, o que leva à terceirização cada vez mais frequente da função materna, com um forte crescimento da proporção de lares monoparentais com ausência do pai. A proliferação de artefatos eletrônicos de alta performance que substituem a presença dos pais e dos semelhantes nas brincadeiras infantis, brincadeiras imprescindíveis para os processos de socialização da criança.
Há consenso acerca da complexidade causal no autismo, o que gera uma grande diversidade nas formas de sua apresentação clínica e um conjunto extenso de comorbidades, ou seja, que ele pode se manifestar conjuntamente com outras afecções genéticas ou neurológicas.
Sabe-se hoje que há um vasto conjunto de variantes genéticas (contabilizam-se nisso algo mais de 200 genes que podem se apresentar em combinações diversas) que têm correlação com manifestações autistas ou com predisposição para desenvolver essa condição psíquica. Porém, aproximadamente uma terceira parte dos autistas não possui essas variantes que podem se considerar patogênicas.
O volume e importância dos fatores psicossociais que enumeramos acima impõem uma interrogação acerca de sua possível incidência na etiologia do autismo. Sobretudo perante a alta coincidência que observamos entre a presença desses fatores e o desencadeamento do autismo. Nessa mesma direção testemunha o registro de maiores níveis de recuperação em quase todos os tipos de autismo quanto mais cedo acontece a intervenção terapêutica. Isso vem, per se, a demonstrar não somente a neuroplasticidade dos fenômenos maturativos, mas também a permeabilidade que, pela via epigenética, vem a relativizar a determinação genética.