O verão chegou acompanhado de uma nova preocupação na área da saúde pública: a previsão de aumento dos casos de chikungunya, uma das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti e que provoca dores incapacitantes nas articulações, podendo matar até mais do que a dengue no próximo ano.
A preocupação começou no meio deste ano, quando pesquisadores passaram a alertar sobre a probabilidade de o vírus atingir um número maior de pessoas neste verão. Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Carlos Brito afirma que, como a dengue já circulou de forma mais intensa no país, a população estaria mais imunizada para esse tipo de vírus. Consequentemente, os brasileiros estariam mais vulneráveis a contrair o zika vírus ou a chikungunya.
Só que, entre esses dois vírus, o segundo tem capacidade de atingir maior número de pessoas. Brito explica que, quando comparada com a dengue e o zika, a chikungunya tem a maior "taxa de ataque", a capacidade de atingir o maior número de pessoas numa epidemia. Enquanto a dengue e o zika atingem de 5% a 10% da população de um município, a chikungunya chega a até 50% dos habitantes. É por isso que acredita-se que a doença terá o maior crescimento em relação aos outros dois vírus transmitidos pelo Aedes aegypti, conforme o pesquisador.
Um aumento significativo já foi visto em 2016. Enquanto de 2015 para 2016 (até 12 de dezembro), os casos prováveis de dengue caíram de 1,6 milhão para 1,4 milhão no país, os casos prováveis de chikungunya subiram de 36,2 mil para 263,5 mil, um aumento de 627%. Neste ano, o segundo vírus atingiu principalmente o Nordeste, com 50,4 mil casos prováveis na Bahia, 47,3 mil em Pernambuco e 45,7 mil no Ceará. Fora dessa região, os Estados mais atingidos foram: Rio de Janeiro, com 17,5 mil registros prováveis, São Paulo, com 4,2 mil, e Pará, com 3,2 mil. Esses três Estados foram os únicos fora do Nordeste a registrarem mais de 1,5 mil casos prováveis do vírus.
Embora não esteja no centro do problema, o Rio Grande do Sul viu os casos prováveis de chikungunya crescerem mais do que no país entre 2015 e 2016. No ano passado, o Estado registrou 31 casos prováveis do vírus, contra 285 neste ano, um aumento de 819%. Conforme a Secretaria Estadual da Saúde, até 3 de dezembro, haviam sido confirmados 69 casos de chikungunya no Rio Grande do Sul, três deles autóctones – contraídos em solo gaúcho, em Ibirubá, Alegrete e Ijuí. Os outros casos são importados, ou seja, contraídos fora do Estado. Na Capital, cidade com 30 dos casos confirmados, nove pessoas teriam sido infectadas em Pernambuco e outras nove no Rio de Janeiro.
O infectologista e coordenador do Núcleo de Vacinas do Hospital Moinhos de Vento, Paulo Gewehr, alerta que, justamente por causa dos poucos casos em relação ao resto do país, a população gaúcha estará mais suscetível a contrair a chikungunya em 2017.
– Por ser uma doença nova, as pessoas não possuem proteção natural contra ela, nenhuma imunidade adquirida por causa de uma epidemia. Isso faz com que ela tenha maior potencial de se alastrar, e é isso que mais assusta.
Chikungunya pode gerar superlotação nos serviços de saúde
Outro fato que leva os pesquisadores a terem maior preocupação com a chikungunya é que a doença impacta em uma maior demanda aos serviços de saúde do que a dengue. Isso porque 90% das pessoas que são picadas por mosquitos com o vírus desenvolvem os sintomas, tendo de procurar atendimento médico. Na dengue, apenas 30% dos que são picados por Aedes aegypti infectados desenvolvem sintomas.
– Isso mostra porque é tão preocupante. Além de poder atingir um maior número de pessoas em uma epidemia, a maior parte dos atingidos terá os sintomas, podendo superlotar os serviços de saúde – explica Brito.
O pesquisador ainda alerta que a mortalidade pela chikungunya pode ser maior do que as estimativas atuais. O motivo é a subnotificação do vírus no sistema de saúde, o que faz com que muitas mortes não sejam contabilizadas.
– As unidades de saúde pegam as informações dos prontuários dos pacientes, que às vezes são limitadas. E aí tem febre, dor nas articulações e manchas na pele, que são comuns a muitas viroses, e fecha-se o diagnóstico para dengue. Mas, muitas vezes, os casos fechados como dengue podem ser chikungunya –relata o pesquisador.
Por causa da dor, algumas pessoas ficam incapacitadas de andar ou fazer simples ações, como pentear o cabelo. Segundo Brito, metade dos pacientes apresenta essas dores durante a fase aguda da doença, que dura de 10 a 15 dias. Outra metade pode apresentar esses sintomas durante meses ou anos. O infectologista Paulo Gewehr acrescenta que, em alguns casos, os pacientes precisam de tratamento especializado para as lesões nas articulações.
Por isso, o médico orienta que as pessoas procurem atendimento imediatamente após sentir sintomas das três doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. A dengue, o zika e a chikungunya desenvolvem febre, dores articulares e lesões na pele nos infectados. A diferença da terceira doença é que a febre costuma ser alta, de 39ºC ou mais, as dores articulares muito fortes e as manchas na pele aparecem nas primeiras 48h. De 50% a 80% dos pacientes com chikungunya também apresentam coceira leve na pele e ainda é possível que desenvolvam conjuntivite.
Assim como o vírus da zika, o vírus da chikungunya passa da mãe para o bebê e pode provocar desde dificuldade respiratória até a morte dos bebês.
Desafio do Estado é evitar que epidemias se espalhem
Com a previsão de aumento nos casos de chikungunya, o desafio do Estado é evitar que epidemias espalhem-se nesta estação. Tanto o governo gaúcho quanto a prefeitura de Porto Alegre afirmam estar cientes dessa estimativa, e fizeram apelos para que a população ajude a combater o Aedes aegypti.
A diretora do Centro Estadual de Vigilância em Saúde do Estado, Marilina Bercini, afirma que o governo investiu em campanhas de conscientização sobre a eliminação dos criadouros, os locais com água parada, no rádio e nas redes sociais, além de promover uma ação conjunta com a Secretaria Estadual da Educação. A parceria consiste na realização de uma gincana nas escolas, com foco no combate ao mosquito.
– Com isso, as crianças podem conscientizar os pais e a comunidade – afirma Marilina.
Além das ações contínuas de combate ao mosquito como visitas domiciliares e monitoramento das armadilhas, a prefeitura de Porto Alegre deverá aplicar inseticida nos locais onde houver casos suspeitos de chikungunya.
– Como o mosquito é infectado pelo vírus de dois a cinco dias, a orientação é não esperar que o exame confirme a chikungunya para realizar a ação de bloqueio vetorial – informa a enfermeira responsável pela dengue e chikungunya na Equipe de Vigilância das Doenças Transmissíveis da Coordenadoria Geral de Vigilância em Saúde de Porto Alegre, Adelaide Pustai.
Na segunda-feira, o Ministério da Saúde também afirmou que o combate ao Aedes aegypti é o principal desafio da saúde pública no país, principalmente por causa das projeções de aumento dos casos de chikungunya. O ministro Ricardo Barros afirmou que, como o governo não é capaz de "estar em todos os lugares eliminando os focos" do mosquito, cada cidadão deve ser responsável pelo combate ao inseto.
Em Porto Alegre, índice de infestação alcança condição de alerta
O índice de infestação de fêmeas adultas do Aedes aegypti, transmissoras da dengue, zika e chikungunya, chegou ao nível de alerta em Porto Alegre entre 18 e 24 de dezembro, último monitoramento da prefeitura. O índice é calculado semanalmente, levando em conta o número de fêmeas capturadas nas 935 armadilhas instaladas em 31 bairros da Capital.
Conforme o número de capturas, o índice pode indicar situações de infestação satisfatória, moderada, de alerta ou crítica. O nível crítico indica que, caso alguém chegue a Porto Alegre infectado com dengue, zika ou chikungunya, provavelmente será picado por um Aedes aegypti fêmea, podendo iniciar a circulação do vírus na cidade.
Conforme Felipe Kunz Júnior, médico veterinário da Coordenadoria Geral de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde informa que o nível atual, de alerta, indica que é preciso intensificar o combate ao mosquito, para evitar que a situação chegue ao nível crítico. Além de eliminar todos os focos do Aedes aegypti em casa, os moradores da Capital também devem incentivar os vizinhos a combater o mosquito, segundo ele. Quando as pessoas encontrarem casas ou terrenos abandonados com focos do mosquito, também podem denunciar a situação para a prefeitura, por meio do telefone 156.
Por causa do primeiro caso suspeito de chikungunya deste verão, de um morador da Capital que teria contraído o vírus no Rio de Janeiro, a prefeitura realizou ontem a primeira aplicação de inseticida da estação. A ação ocorreu no bairro Jardim Carvalho e tem como objetivo matar mosquitos adultos que estejam no raio de 50 metros a partir da residência do paciente.