Autoridades de saúde do Brasil estão em alerta para o aumento no número de casos de uma doença milenar, tratável e de fácil prevenção. Alçada ao patamar de epidemia nacional, a sífilis, doença sexualmente transmissível (DST), vem em uma crescente em todos os Estados, mas chama a atenção para o salto que deu no Rio Grande do Sul no último ano.
De acordo com o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, que teve os dados atualizados até 30 de junho deste ano, o RS teve a taxa de detecção da doença mais elevada do Brasil em 2015. Foram registrados 111,5 casos a cada cem mil habitantes contra 42,7 a cada cem mil em todo o país. Ao todo, foram 9.899 casos de sífilis adquirida e 1.642 de sífilis congênita. Traçando um comparativo com outros Estados da Região Sul, o RS segue na frente. No Paraná, Estado com população semelhante à gaúcha, os números estão abaixo da metade dos nossos: foram 4.122 de sífilis adquirida e 650 da congênita.
Porto Alegre segue o mesmo ritmo do resto do Estado. Só em 2015, foram 1.657 registros da doença adquirida, de acordo com dados de agosto do ano passado da Equipe de Vigilância das Doenças Transmissíveis – Coordenadoria Geral de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde. Entre os casos da doença congênita, um novo alerta: a taxa de incidência na Capital está 4,7 vezes maior do que a nacional, somando 30,2 casos a cada mil bebês nascidos vivos.
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Embora multifatorial, alguns aspectos ajudam a explicar a epidemia. O infectologista e coordenador do Centro de Imunizações do Hospital Moinhos de Vento, Paulo Ernesto Gewehr Filho, credita este crescimento à diminuição na falta de cuidado durante as relações sexuais:
– Muitas pessoas usavam o preservativo com medo da aids. Com os tratamentos mais novos para a doença, os pacientes não estão mais morrendo e têm uma qualidade de vida boa. Assim, as pessoas relaxaram no uso da proteção.
Receber um diagnóstico com mais rapidez também pode justificar a escalada dos números. Hoje, os postos de saúde oferecem testes rápidos, assim como o do HIV, que dão o resultado em 15 minutos. Eles têm sido cada vez mais requisitados pelos médicos.
Por outro lado, há outros fatores que aceleraram o processo. Para o ginecologista e obstetra da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre Regis Kreitchmann, a falta de penicilina, o abandono do tratamento no meio e a falta do diagnóstico dos parceiros também influenciaram o aumento dos casos.
– A gente trata a paciente, mas não o parceiro. Depois de ter relações sexuais, ela se reinfecta. Também vivemos uma fase de escassez de penicilina, droga usada no tratamento – explica.
Em 2015, o Brasil enfrentou problemas para conseguir a matéria-prima para a produção do antibiótico, o que levou o Ministério da Saúde a correr atrás do produto em outros países. Esta semana, a diretora do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das DST, Aids e Hepatites Virais, Adele Benzaken, afirmou que todos os Estados brasileiros estão abastecidos com a droga até abril de 2017.
Apesar de preocupantes, os dados também podem ser interpretados de maneira positiva, tendo em vista que os casos estão sendo devidamente reconhecidos e registrados.
– Eles podem ser bons no sentido de que a gente está detectando a doença e conseguindo oferecer um serviço de saúde que faz um diagnóstico precoce. Mas ao mesmo tempo é ruim, pois estes casos estão acontecendo, o que mostra que a gente está falhando na prevenção de alguma maneira. E a prevenção da sífilis é, basicamente, a educação sexual – defende Gewehr.
No caso das gestantes, quando descoberta no pré-natal, a doença pode ser tratada, reduzindo as chances de o bebê desenvolver vários tipos de problemas e evitando o aborto – consequência não incomum nestes casos.
– Os números são preocupantes pelo risco de mortalidade de crianças e também pelo custo que isso representa, pois sobrecarrega o sistema de saúde todo com uma doença que é tratável, curável e prevenível. Uma criança que nasce com sífilis congênita fica internada minimamente dez dias em uma UTI neonatal, ocupando leitos hospitalares e, muitas vezes, com danos e sequelas – diz Kreitchmann, citando as lesões ósseas, dentárias e problemas mentais como principais resultados da doença.
Ciente do aumento nos casos, o secretário estadual da Saúde, João Gabbardo, reforça a importância do uso de preservativo e da agilidade no diagnóstico para evitar a doença congênita.
– É importante o exame e o tratamento na gestante e no parceiro. Nele, aliás, ainda mais, devido ao risco de reinfecção. A mulher trata e depois se reinfecta – destaca Gabbardo.
O que é a sífilis
– É uma doença sexualmente transmissível causada pela bactéria Treponema pallidum.
– Na sífilis congênita, a bactéria é transmitida da mãe para o bebê durante a gestação.
Sintomas
– A doença apresenta vários estágios. No primeiro, causa feridas na região genital (pênis, vulva, vagina, colo uterino, ânus). Isso acontece entre 20 a 90 dias após a relação sexual com a pessoa infectada. Estas lesões não coçam, não doem, não ardem e nem apresentam pus. Nas mulheres, muitas vezes a falta de sinais visíveis retarda o diagnóstico. Esses ferimentos se curam sozinhos e, depois disso, a bactéria entra na corrente sanguínea.
– Após ingressar no sangue, a Treponema pallidum provoca a chamada sífilis secundária, que começa a se manifestar depois de dois ou três meses da contaminação. Os principais sinais são lesões de pele no corpo todo, parecidas com rubéola, inclusive na área genital.
Diagnóstico
– Pode ser feito através de teste rápido, oferecido nos postos de saúde. Também pode ser feito exame laboratorial.
Tratamento
– É feito com penicilina benzatina. Se não tratada, a longo prazo, pode provocar lesões articulares, no cérebro e nos vasos cardíacos.
Prevenção
– Uso de preservativo nas relações sexuais.
Sífilis congênita
Apesar de o exame para detectar sífilis fazer parte do pré-natal, a infecção pode ocorrer após o tratamento em função de o parceiro não ter o diagnóstico. Quando não identificada e tratada, pode acarretar em aborto espontâneo, parto prematuro, complicações neurológicas e lesões ósseas e nos dentes do bebê.