O vírus da zika, presente na América Latina e suspeito de causar malformações cerebrais congênitas pode também favorecer um transtorno neurológico que pode levar à morte, confirmou um estudo publicado nesta segunda-feira.
Um grupo de pesquisadores identificou o vírus transmitido por um mosquito como responsável por um surto em 2013 e 2014 da síndrome de Guillain-Barré (GBS), doença rara na qual o sistema imunológico ataca parte do sistema nervoso que controla a força muscular, na Polinésia Francesa.
– Esta é a primeira prova de que o vírus da zika pode causar a síndrome de Guillain-Barré – conclui o estudo, publicado na revista médica The Lancet.
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Nos países ricos, a síndrome é letal em cerca de 5% dos casos. Uma em cada 20 pessoas afetadas apresenta transtornos duradouros. A síndrome – que também pode ser provocada por infecções bacterianas ou pelo vírus da dengue ou da chikungunya – provoca fraqueza muscular nas pernas e braços.
Mais da quarta parte dos pacientes precisam de cuidados intensivos. Com 1,5 milhões de casos de infecções de zika já registrados no Brasil e dezenas de milhares em países vizinhos, os pesquisadores alertam que um surto de síndrome de Guillain-Barré pode colocar à prova os dispositivos médicos, especialmente nas periferias das grandes cidades.
– Nas áreas afetadas pela epidemia de zika, precisamos refletir sobre o reforço das capacidades de tratamento intensivo – disse Arnaud Fontanet, co-autor do estudo e professor da Unidade de Epidemiologia de Doenças Emergentes no Instituto Pasteur de Paris. – Sabemos que um número desses pacientes desenvolvem GBS, e que 30% necessitam de tratamento intensivo, especialmente para respiração artificial – explicou Fontanet à AFP.
Por si só, a zika "não é mais perigosa do que uma gripe ou resfriado moderado". No entanto, suspeita-se que a rápida propagação do vírus – presente em quatro dúzias de países, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) – é a causa de um aumento repentino nos casos de microcefalia congênita em recém-nascidos.
O zika se espalha entre os humanos principalmente através do mosquito Aedes aegypti, presente em 130 países. Estudos recentes sugerem que pode também ser transmitida por via sexual entre os seres humanos portadores do vírus, em alguns casos assintomáticos. Agora parece que os danos causados pelo vírus são ainda mais importantes.
No estudo, uma equipe de duas dezenas de pesquisadores que trabalharam sobre a ligação entre a zika e a síndrome de Guillain-Barré na Polinésia Francesa identificaram 42 casos da condição neurológica. Estima-se que 200 mil pessoas foram infectadas com o vírus durante a epidemia. De acordo Fontanet, não há dúvidas de que o vírus da zika causou o surto de casos de GBS.
– As ligações são tão fortes como as que existem entre tabaco e câncer – afirmou à AFP.
Existem três tipos de provas que mostram a ligação, segundo o especialista. O primeiro é um aumento de vinte vezes a quantidade de casos da síndrome durante a epidemia de zika. A segunda é que 90% dos pacientes com a síndrome debilitante foram infectados uma semana antes pelo vírus transmitido pelo mosquito. Ambos os dados epidemiológicos foram confirmados por exames de sangue, que foram feitos nos testes finais.
– Nós encontramos vestígios da recente presença de zika em 100% dos pacientes com Guillain-Barré, incluindo anticorpos desenvolvidos para lutar contra o vírus – explicou Fontanet.
Ele admitiu, porém, que os investigadores ainda não conseguiram determinar o mecanismo biológico pelo qual a zika desencadeia a doença degenerativa neuromuscular. Os pesquisadores excluíram infecções anteriores de dengue, uma doença também prevalente na Polinésia Francesa. Especialistas que não participaram do estudo concordaram que trata-se de uma descoberta importante, embora ainda seja necessário determinar o nexo causal com certeza absoluta.