Em um tom mais cauteloso que o exibido por autoridades sanitárias brasileiras, o vice-ministro de Saúde da Colômbia, Fernando Gomez, diz não haver ainda elementos suficientes para apontar o zika vírus como responsável pelo aumento de casos de microcefalia.
– Existe uma relação, mas é preciso fazer mais estudos para se comprovar a causalidade – disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.
Leia mais:
Colômbia tem primeiros casos de microcefalia relacionados ao zika
Brasil confirma 641 casos de microcefalia, 82 ligados ao zika
Estudo demonstra vínculo entre o zika e danos cerebrais no feto
Gomez não hesita em dizer que há uma subnotificação histórica de microcefalia no Brasil e que a opção do aborto é importante para as mulheres. Ele afirma que os dados do Brasil mostram haver uma associação entre zika e microcefalia, mas que isso "não é suficiente para se estabelecer a causalidade", e diz ser necessário "esperar outros estudos".
Questionado sobre o que poderia estar associado a esse aumento, o vice-ministro de Saúde da Colômbia afirmou que o Brasil "não registrava o número de casos de microcefalia que de fato deveria ocorrer". Para Gomez, "uma das possibilidades é que a situação do zika tenha chamado a atenção para um problema que já estava presente, mas que até então não era notado".
– No Brasil, eram informados, em média, 140 casos anuais de microcefalia relacionados a outras causas, número comparativamente bem menor do que o daqui. Registrávamos 150. Brasil e Colômbia têm taxas semelhantes de fertilidade. Se aplicássemos nossos indicadores para o Brasil, o número de casos giraria em torno de 700 – calcula.
Gomez entende que seria importante "investigar outras causas, como problemas ambientais e a interação entre enfermidades", por exemplo. Ele afirma que na Colômbia a epidemia de dengue e chikungunya já passou:
– Aconteceram em épocas distintas. Não sei se o mesmo aconteceu no Brasil.
Perguntado se as epidemias simultâneas poderiam exacerbar o risco de microcefalia e se o Brasil foi precipitado ao fazer essa relação, o vice-ministro entende que "todo o país tem a responsabilidade de vigiar um aumento expressivo de casos e reportá-lo".
– Penso que o problema do Brasil não está nas projeções, mas na retrospectiva. Como os números existentes até a epidemia de zika eram subnotificados, não há como estipular qual foi o aumento exato do número de casos pós-epidemia – avalia.
Sobre um possível aumento de abortos na Colômbia por causa do medo do zika provocar microcefalia, Gomez acredita que "é provável que muitas mulheres lancem mão desse direito":
– A Colômbia tem um conjunto de regras sobre aborto relativamente progressista. Por isso, alertamos as mulheres sobre os seus direitos, sobre as possibilidades previstas em lei para a interrupção da gestação, mas não podemos, em última instância, fazer uma recomendação expressa. A decisão é da mulher e de seu companheiro.
Para o colombiano a interrupção da gravidez "é uma opção importante para a mulher e para o casal, principalmente frente a uma enfermidade grave, com consequências importantes que terão reflexos por toda a vida". Segundo Gomez, uma das justificativas mais usadas para interrupção da gestação no país é o risco de sofrimento mental da mulher.
O vice-ministro de Saúde da Colômbia afirma ainda que um dos aspectos mais importantes para o país é estimar a incidência de microcefalia após o surgimento da epidemia:
– É uma diferença em relação ao Brasil, onde o fenômeno foi descoberto quando estava em curso. Aqui podemos acompanhar desde o início. Estamos contando os casos de zika e observando as gestantes caso a caso, semana a semana. Isso nos permitirá estimar com maior rapidez as taxas de incidência da infecção, a relação entre zika e microcefalia e a influência no aumento de Guillain-Barré.
Segundo o político, o maior problema na Colômbia relacionado ao zika são as cidades distantes, "onde a comunicação não é tão boa".
– Nosso receio é de que haja casos não diagnosticados, que as grávidas com zika não sejam acompanhadas. Daí, nosso esforço para reduzir os riscos de que isso aconteça. Investimos na informação. E a população está se dando conta. Desde janeiro, a palavra mais buscada pelos colombianos no Google é zika – afirma.
*Estadão Conteúdo