Há 48 anos pesquisando o câncer, o médico americano Bruce Allan Chabner acredita que não viverá para ver a doença totalmente curável. Mas, para ele, esse dia chegará. Diretor emérito do Centro do Câncer do Massachusetts General Hospital, vinculado à prestigiada Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, Chabner se dedica principalmente a entender como novos medicamentos podem substituir os tratamentos atuais contra a doença - por vezes eficazes, mas ainda muito violentos.
Entre as novidades pesquisadas por ele está o tratamento específico de tumores, a chamada terapia-alvo, capaz de atingir diretamente a origem do câncer sem atacar as diferentes partes do corpo afetadas. Isso significa que, em um futuro talvez próximo, o tratamento da quimioterapia poderá ser feito com medicamentos mais eficazes, evitando muitos efeitos colaterais.
Bruce Chabner esteve em Porto Alegre na semana passada para receber da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) o título de doutor honoris causa, além de participar de uma sessão especial do encontro da Academia Sul-Riograndense de Medicina. Confira os principais trechos da entrevista concedida a Zero Hora:
Quais foram as principais conquistas no tratamento do câncer nos últimos anos?
Temos muitos medicamentos novos, que são diferentes dos anteriores por serem desenvolvidos como terapias-alvo. Isso quer dizer que eles são focados diretamente no tumor, naquilo que o torna maligno e faz com que se espalhe e cresça. Essas drogas são, portanto, muito específicas, e não causam os mesmos tipos de efeitos colaterais que a quimioterapia, por exemplo - em que o paciente perde os cabelos, sofre danos na medula óssea e no trato gastrointestinal, entre outros. Muitos desses sintomas são um risco à vida. Mas ainda há obstáculos, como o custo desses tratamentos e o fato de que os tumores se tornam resistentes e começam a crescer de novo na maior parte dos pacientes. Muitas dessas pessoas não são curadas, e precisamos descobrir como fazer isso.
E como baratear tratamentos caros?
Precisamos da cooperação do governo, das empresas e da academia para desenvolver sistemas de forma a não levarmos as pessoas e as instituições à falência em cada caso de câncer. O ideal seria termos preços razoáveis. O que estamos fazendo nas pesquisas é ótimo para os nossos pacientes nos Estados Unidos, mas também precisa ser exportado - e nem todo mundo no Brasil, ou na África, consegue pagar por isso. O preço não deveria impedir o acesso de qualquer pessoa ao tratamento.
O que ainda impede a ciência de progredir na luta contra o câncer?
O principal problema é a complexidade dos tumores. É preciso encontrá-los cedo e tentar curá-los cedo. O segundo problema é usar diferentes medicamentos ao mesmo tempo. No momento, estamos utilizando essas drogas individualmente e precisamos de combinações eficazes para as terapias-alvo, imunoterapias e quimioterapias. Estamos começando a fazer isso, mas ainda temos um longo caminho pela frente. Em terceiro lugar, precisamos compreender melhor a genética. Sabemos o quão complexo é o câncer. A resistência a medicamentos não é simples, precisamos desenvolver testes melhores para determinar essa resistência e descobrir como lidar com isso. E outro problema é que tudo o que fazemos tem de ter um preço acessível. Tudo que diz respeito ao câncer ainda é muito caro.
A imunoterapia tem apresentado resultados muito promissores em alguns pacientes, enquanto em outros não há resposta. Como a comunidade médica está lidando com essa situação?
Foi assim com a quimioterapia também. Tratávamos todo mundo, e somente algumas pessoas respondiam bem e se beneficiavam do tratamento. Mas, com isso, aprendemos a fazer um trabalho melhor, usando múltiplas drogas e entendendo onde elas são mais eficazes. As terapias-alvo introduziram o conceito de que se pode escolher o paciente certo baseado na genética do tumor. Esse foi um grande avanço. Apesar de as drogas serem caras, a maior parte dos pacientes se beneficia do uso. Na imunoterapia, por outro lado, ainda não sabemos como selecioná-los, é algo que funciona em 20% ou 30% dos pacientes. Este é o principal desafio: entender como selecionar os pacientes para não ter de tratar cem deles, gastando todo esse dinheiro e ver apenas 20 sendo beneficiados.
Qual o papel da prevenção para diminuir os índices da doença?
Em países como o Brasil, o investimento mais importante é na prevenção e na detecção precoce. Não sei se há sentido em tornar disponíveis tantas drogas caras quando não se está trabalhando na prevenção. Isso tem de vir primeiro. Tratar o câncer depois que a doença já se estabeleceu pode causar, inclusive, um período de remissão, e não curar os pacientes.
O que temos de fazer é descobrir a doença mais cedo, quando há um número menor de células atacando o organismo. E temos novas tecnologias para fazer isso, para descobrir que tumor o paciente vai desenvolver, e depois acompanhar o tumor de perto e detê-lo. Como em muitas outras doenças, quanto mais cedo descobrirmos o problema, melhor.
Qual deve ser o futuro no tratamento do câncer?
Estamos tornando-o mais parecido com uma doença crônica, mas gostaria de vê-lo curado. Nosso objetivo é esse e estamos fazendo um trabalho cada vez melhor, mas ainda temos um longo caminho a percorrer. Mesmo a ciência básica, nesse caso, é muito importante: entender o que causa essa doença, como ela se forma, como se espalha. Sabemos que os tipos de câncer são muito espertos e se adaptam facilmente, mas ainda não os entendemos por completo.
*Zero Hora