O funcionário público aposentado Pedro Silveira, 79 anos, tem tantas cicatrizes grandes no corpo - já fez 13 cirurgias - que quase esquece da pequena marca que carrega perto da virilha, um vestígio da última intervenção médica a que foi submetido. Mas é graças a ela, uma incisão de menos de um centímetro, que o idoso corrigiu um defeito grave em uma das válvulas do coração, a mitral.
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De forma pioneira no sul do país, o procedimento minimamente invasivo já foi utilizado em pelo menos três pacientes por equipes do Instituto de Cardiologia (IC) e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). A tecnologia, de nome comercial MitraClip, é utilizada como alternativa menos agressiva aos pacientes que dificilmente resistiriam ao porte de uma cirurgia cardíaca.
Quando recebeu o diagnóstico de insuficiência mitral, seu Pedro ouviu da equipe de cardiologistas que abrir o peito era algo muito arriscado para alguém da idade dele e com seu histórico: quatro pontes de safena e operações para tratar diverticulite, hérnia e dois tumores, um na próstata e outro na cabeça.
- Eu não tinha muita escolha, então, pensei: ora, vou fazer!
O MitraClip é um catéter flexível em cuja ponta encontra-se uma espécie de prendedor de roupa em miniatura. Os médicos fizeram um pequeno corte na veia femoral de seu Pedro - aquela que atravessa a coxa - e introduziram ali o dispositivo de estrutura milimétrica, mas longo o suficiente para alcançar o coração (1m20cm de comprimento). Ao chegar à válvula mitral esfacelada do paciente, o clipe a grampeou, fazendo com que melhorasse a dinâmica do funcionamento do órgão, antes comprometido pelo fluxo anormal de sangue - em vez de ser bombeado para o organismo, como seria o habitual, o líquido volta para o pulmão, causando complicações. Todo o percurso do catéter foi controlado por imagens de ultrassom.
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Seu Pedro entrou no bloco cirúrgico às 16h de uma sexta-feira e, 24 horas depois, estava no conforto do sofá de casa, sendo mimado pela mulher e pela cuidadora. A intervenção, que leva de duas a três horas, exige anestesia geral, mas não tão pesada quanto a das grandes cirurgias.
- É só o suficiente para o paciente dormir e não sentir desconforto - aponta o médico Rogério Sarmento Leite, cardiologista intervencionista do IC.
Por que não é primeira opção
A experiência bem-sucedida da terapia, no entanto, deve vir acompanhada de um alerta: o procedimento não é a primeira opção para todos os pacientes. O tratamento preferencial para casos de insuficiência mitral segue sendo a cirurgia.
- De forma alguma preconizamos o procedimento para deixar a cirurgia. O clipe não corrige o erro de maneira definitiva, portanto, é uma exceção. É uma opção apenas para pacientes de risco, como idosos que já foram submetidos à cirurgia cardíaca prévia e têm problemas neurológicos ou vasculares associados ao quadro clínico - destaca o cirurgião cardíaco Paulo Roberto Prates.
Estudos publicados nos Estados Unidos revelam que, por ano, 250 mil pessoas com a doença poderiam ser operadas, mas a cirurgia só é feita em 12% delas.
- É pouca gente, porque muitos pacientes não são elegíveis para uma grande intervenção. Esses poderiam se beneficiar do MitraClip - afirma Sarmento Leite.
Aprovada pela Anvisa, a tecnologia já ultrapassou o caráter experimental. O problema, agora, é o valor do procedimento: seu Pedro limpou a poupança, pediu ajuda ao banco e pagou R$ 180 mil. Como é um método novo, os planos de saúde ainda não o cobrem.
- Ainda são necessários mais estudos e popularização da terapia para que o preço se torne sustentável - diz Prates.
Seu Pedro, apesar do gasto, está satisfeito.
- Eu brincava que eu estava com a validade vencida. Agora me revalidei - brinca ele, às vésperas dos 80 anos.
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