Um dos mais complexos desafios da medicina contemporânea, o tratamento do câncer tem avançado muito graças ao robusto volume de pesquisas na área, permitindo que os médicos entendam cada vez melhor a doença. Com a incidência crescente da enfermidade em uma população progressivamente mais longeva, é fundamental descobrir as particularidades dos inúmeros tipos de tumores para que seja possível criar tratamentos mais eficazes.
Hoje, mais de 90% dos medicamentos oncológicos em desenvolvimento pela indústria farmacêutica se referem às chamadas terapias-alvo - medicações que miram mutações moleculares e genéticas específicas, capazes de barrar a evolução da enfermidade, promover a regressão ou até mesmo a cura.
- As doenças são muito heterogêneas. Se estamos lidando com doenças diferentes, os tratamentos têm de ser diferentes para termos resultado. Estamos tentando individualizar os tratamentos. Temos que identificar os alvos, entender as diferenças, para que possamos ver um paciente no consultório e determinar o melhor tratamento para ele - comenta o oncologista André Fay, professor da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Custo altíssimo dificulta acesso a terapias-alvo e leva à judicialização da saúde
As perspectivas animadoras para os doentes se chocam com os preços exorbitantes dessas medicações de ponta. Nos casos em que elas ainda não foram aprovadas para comercialização no Brasil, os pacientes precisam tentar importá-las de um país onde já estejam em uso. Capaz de alcançar dezenas de milhares de reais por mês, o custo do tratamento leva uma parcela dos usuários a requerer a compra das drogas por via judicial, junto aos convênios médicos ou ao Sistema Único de Saúde. Diretor do Instituto do Câncer do Hospital Mãe de Deus, na Capital, o oncologista Carlos Barrios explica que Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão consomem aproximadamente 88% dos novos remédios produzidos no mundo, fator determinante para a estipulação dos valores.
- O preço dado é aquele que o mercado mais competitivo do mundo pode pagar. Se esses países podem pagar, esse é o preço que se dá. Ao mesmo tempo, isso faz com que, para o resto do mundo, o preço seja inatingível - lamenta Barrios.
Mas o acesso às caras terapias-alvo não significa a certeza de sucesso no enfrentamento dessa doença tão temida. O paciente precisa entender que existe uma chance, baseada em estudos científicos, de que o medicamento seja efetivo para a sua situação, mas essa possibilidade não pode ser confundida com garantia.
- Muitas vezes, identificamos o alvo, importamos um medicamento específico e a doença não responde - adverte Fay.
Oncologistas precisam sempre tentar se antecipar ao comportamento das células doentes presentes no organismo, tentando evitar a proliferação ou a recidiva do câncer. Contidas em um primeiro momento, elas podem reaparecer depois do tratamento inicial.
- A célula doente é muito inteligente. Avançamos com as terapias-alvo, mas ainda não estamos resolvendo a maior parte dos casos. As células do tumor frequentemente conseguem continuar sobrevivendo e crescendo, desenvolvendo mecanismos de resistência. O tratamento provavelmente precisará ser feito com uma combinação de medicamentos para ser mais eficaz. Sempre que combinamos tratamentos-alvo, os resultados parecem ser muito melhores - conta Barrios.
Estudo sobre câncer se torna esperança para crianças com autismo
Imunoterapia: tratamento contra o câncer considerado revolucionário
Giovana faz campanha para arrecadar R$ 250 mil
Diagnosticada com um tumor raro na glândula salivar em 2012, Giovana Kreitchmann Cavalcanti, 25 anos, inicia agora uma nova etapa. Depois de outras iniciativas que não impediram a evolução da doença - surgiram metástases no cérebro e no pulmão -, a advogada está se submetendo à imunoterapia com aplicações de Nivolumab, terapia-alvo importada dos Estados Unidos que pode restabelecer o bom funcionamento do sistema imunológico, barrando a evolução do câncer.
Confrontada com o alto custo da medicação, Giovana organizou uma campanha pela internet e diz já ter conseguido reunir R$ 230 mil para comprar as quatro ampolas de que necessita - o tratamento proposto custa cerca de R$ 250 mil. Ainda há rifas sendo vendidas, e o total arrecadado deve aumentar.
- Tive que parar de trabalhar. Não consigo ficar muito tempo de pé, me sinto muito cansada, tenho enjoos. Mas, se esses são os sintomas, se tenho que senti-los, tudo bem. Estou bem positiva. Espero ficar curada - diz Giovana.
AS TERAPIAS-ALVO
- O câncer é uma doença complexa, que varia muito de caso a caso. Pesquisas científicas têm permitido que os médicos conheçam cada vez melhor os diferentes tipos de tumores. Quanto mais se estuda sobre eles, mais se desvenda a respeito das particularidades de cada um e mais se avança na obtenção de drogas com bons resultados.
- Novos medicamentos são desenvolvidos para grupos de pacientes com características semelhantes entre si. Em geral, trata-se de uma mutação genética ou molecular _ a terapia-alvo mira justamente nessa anormalidade.
- O mapeamento do DNA (procedimento que, hoje em dia, pode custar entre R$ 3 mil e R$ 12 mil) permite que o médico conheça o perfil do doente em detalhes, o que o auxilia na escolha da medicação.
- O tratamento pode conseguir impedir a progressão da enfermidade, fazer com que ela regrida ou até mesmo alcançar a cura. Existe também o risco de que o tumor não responda, e o paciente não obtém nenhum benefício com o tratamento.
- Há medicações ingeridas por via oral, que o paciente pode tomar em casa, na forma de comprimidos, e outras endovenosas, aplicadas no hospital.
A IMUNOTERAPIA
- No câncer, a célula desenvolve uma alteração genética, cresce descontroladamente, invade outros tecidos e se dissemina. Há algo errado no sistema imunológico do paciente permitindo que isso aconteça. Na imunoterapia, também considerada uma terapia-alvo, o foco do tratamento, em vez do câncer, são esses mecanismos "defeituosos" do corpo. Quando os processos de defesa se normalizam, tornam-se capazes de conter o avanço da doença.
O DIFÍCIL ACESSO
- O paciente que descobre um câncer com uma mutação genética específica e não tem acesso à droga no Brasil, caso essa medicação ainda não tenha sido aprovada pela Anvisa, pode consegui-la em outros países que já a utilizam, importando-a.
- Se o doente não puder financiar os altos custos do medicamento, a saída é tentar obtê-la por via judicial, exigindo a compra pelo convênio médico ou junto ao SUS.
- Há médicos envolvidos em projetos de pesquisa em diferentes países que conseguem obter medicações em teste ou encaixar pacientes como voluntários de estudos. É importante que os pacientes perguntem sobre drogas novas e pesquisas que possam estar disponíveis.