Não há dúvidas de que a imunoterapia veio para ocupar um lugar de honra no combate ao câncer - ao lado da tríade cirurgia, radioterapia e quimioterapia -, mas muitas incertezas ainda cercam a nova estratégia de tratamento. Uma das questões que aguardam resposta é o motivo para a terapia oferecer resultados espetaculares em alguns pacientes e não dar resultado nenhum em outros.
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Carlos Barrios, professor da PUCRS e diretor do Instituto do Câncer do Mãe de Deus, observa que, em muitos dos estudos feitos até o momento, as medicações têm beneficiado apenas de 20% a 30% dos pacientes.
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- O fato de que agora temos pacientes que respondem é entusiasmante, porque antes não tínhamos opções nesses tipos de câncer. Mas ainda não é em todos os casos - diz Barrios.
Uma via promissora para melhorar o alcance do tratamento é usar mais de um imunoterápico ao mesmo tempo. Segundo Barrios, em alguns estudos onde dois medicamentos foram ministrados em conjunto, as taxas de sucesso aumentaram dramaticamente, batendo nos 80% - e isso em doenças de estágio avançado, em que nenhum outro tipo de terapia funcionou. O certo é que, para ampliar o sucesso da nova terapia, ainda é preciso aprofundar muito a pesquisa sobre a interação entre sistema imunológico e câncer.
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- Existem muitas proteínas e receptores envolvidos no processo. Não sabemos qual é o papel de cada um, como bloquear certas proteínas e que proteínas devem ser bloqueadas. Há muito a evoluir - relata o oncologista André Fay.
Outra dúvida diz respeito ao tipos de tumor que poderão ser beneficiados pela imunoterapia. Já há aprovação de drogas para tratar o melanoma e o câncer de pulmão. Mas não existe certeza do quanto a lista pode se ampliar. No Hospital São Lucas, por exemplo, Barrios testa as novas drogas em pacientes com câncer de pulmão, bexiga, melanoma, estômago e rim. São tumores que, em estudos mundo afora, têm respondido muito bem à nova técnica.
- A imunoterapia deve funcionar nos tumores que têm alguma relação com o sistema imunológico. Aparentemente, beneficiam-se os tumores que têm uma taxa maior de mutação genética, porque se tornam um alvo mais fácil para o sistema imunológico - diz Barrios.
Duração é ponto incerto
Outra questão nebulosa diz respeito ao tempo de duração dos tratamentos. Há indícios de que a imunoterapia pode alterar de forma prolongada ou mesmo permanente o comportamento do sistema imunológico, levando-o a atacar as células cancerígenas mesmo depois de a medicação ser suspensa. É como se o sistema estivesse dormindo e a terapia o acordasse. Outra possibilidade é que o câncer se torne uma doença crônica, com necessidade de uso dos medicamentos por toda a vida. Nesse caso, o paciente teria de conviver com efeitos colaterais bastante distintos daqueles comuns a outras terapias. Ao desativar o mecanismo que refreia o sistema imunológico, a imunoterapia favorece o ataque não só ao câncer, mas também a tecidos sadios:
- Quando a gente usa uma medicação sistêmica que atinge todo o organismo, ao mesmo tempo em que atinge o tumor também pode gerar uma resposta inflamatória no órgão sadio. Os efeitos colaterais estão relacionados à imunidade, a todas as inflamações que se pode ter, como colite ou hepatite. Estamos aprendendo a lidar com isso - pondera André Fay.
Apesar dos desafios a superar, as razões para otimismo são muitas, a começar pelo fato de que a imunoterapia tem sido usada, por enquanto, apenas naqueles pacientes em situação mais crítica.
- Com a imunoterapia, conseguimos respostas positivas onde antes não tínhamos resposta nenhuma. E essa resposta é muito prolongada. O entusiasmo é compreensível - observa Barrios.
Personalização é a próxima onda
Os conhecimentos sobre biologia molecular que transformaram a imunoterapia em nova fronteira do combate ao câncer já apontam para aquele que deve ser o próximo estágio na história da luta contra a doença: a personalização. Na medida em que a compreensão dos tumores se aprofunda, os pesquisadores vislumbram um período em que será possível prescrever medicações certeiras para cada paciente.
Voltado para essa linha de pesquisa, o oncologista André Fay acaba de ter um trabalho premiado pela Sociedade Americana de Oncologia. Especialista em câncer de rim, o gaúcho estudou a presença de mutações genéticas em dois grupos de pacientes da doença. Um deles era formado por pessoas que respondiam de forma extraordinária a uma medicação. O outro, por doentes em que o mesmo remédio não fazia qualquer efeito. De forma inédita, a pesquisa apontou a existência de algumas mutações que parecem estar relacionadas com o sucesso ou o fracasso da terapia.
- Se esse achado for confirmado, será um passo importante na personalização do tratamento. Quando se fala em câncer de rim, são muitas doenças diferentes. Existem vários medicamentos disponíveis, mas não sabemos qual é o mais adequado para cada caso. Ainda estamos em uma fase inicial de pesquisa, mas daqui a algum tempo poderemos pegar o tumor de um paciente, submetê-lo a análises genéticas e moleculares e saber qual dos tratamentos disponíveis é o mais indicado. Vai ser uma oncologia individualizada, em que vamos entender o câncer específico do paciente e oferecer para ele os maiores benefícios - diz Fay.
Resultados são revolucionários
As vantagens disso são enormes. Hoje, os profissionais vão testando uma medicação depois da outra, até encontrar aquela que oferece melhor resposta. Nesse processo, o paciente com frequência é submetido a drogas que não fazem efeito - o que significa perda de tempo, sujeição a mais agentes tóxicos e sobrevida menor.
Já há algumas histórias de sucesso na linha da personalização. O oncologista Carlos Barrios cita o caso da leucemia mielóide crônica. Os médicos passaram a identificar quais pacientes da doença tinham uma determinada alteração que era fundamental para a sobrevivência das células tumorais. Nesses doentes, recorre-se a uma medicação específica, que bloqueia aquela alteração. O resultado é que eles vivem décadas.
- Saber o que a célula precisa para viver e oferecer um tratamento contra aquela necessidade específica é a melhor estratégia. Isso está começando a acontecer em uma série de tumores. É uma revolução - relata Barrios.