Não existe nada pior do que ver seu filho doente. Existe algo na prostração, no cansaço, que simplesmente não combina com uma criança. Depois de algumas noites em claro você falta ao trabalho e arruma um jeito de levar seu filho ao pediatra. E o diagnóstico é sempre mais ou menos assim.
- Hum, acho que ela pegou uma nova virose.
- Virose, doutor? Virose de novo, não. Vê se inventa alguma coisa aí dessa vez, algum nome em latim, mas não vem com virose, doutor.
- Bom, acredito que seja uma virose, realmente.
- Olha, então vou pedir pra falar com seu professor da faculdade de Medicina. O doutor me desculpe, mas eu trouxe minha filha aqui cinco vezes nos últimos três anos e o seu diagnóstico é sempre virose. Por acaso o senhor cabulou a aula de diarreia ou dor de ouvido? Fez Virose I e Virose II na faculdade e agora é o maior virosepata do Brasil?
- Pera lá, que assim o senhor está me insultando.
- Não, pera lá digo eu. O senhor tinha que receber o troféu virosepata do ano, pelos serviço prestados na divulgação da virose como doença amplamente abrangente.
- Virosepata? Nem existe esse termo.
- Pois estou inventando agora. O doutor é o primeiro virosepata do Brasil, deveria dar palestra explicando como tudo é virose, de caxumba a dor de dente.
- Não posso fazer nada, se trata mesmo de uma virose.
- Que sorte a nossa, doutor. Fomos consultar logo com o maior especialista do Brasil.
- Olha, pra combater essa virose, recomendo muito repouso...
- Muito repouso e hidratação, acertei? Olha, doutor, daqui a pouco vou tirar o diploma de Medicina na mesma faculdade do senhor. Já sei que tudo é virose e pra passar a virose é muito repouso...
- ...e hidratação. Bastante água e nada de ir pra escola, pra não passar essa virose pra outras crianças.
- Claro que não, doutor. Já pensou passar virose pras outras crianças? Daí o senhor ia ter que escrever um livro, "O Maior Virosepata do Brasil Abre o Jogo!", ia virar uma loucura a vida do doutor. A Organização Mundial de Saúde pedindo palestra, "nos ajude a entender essa complexa doença!". Claro que não vamos passar virose pros amiguinhos, né, filha?
- Bastante frutas também, ouviu, pequena?
- Olha, filha. Virose se cura com fruta, o doutor estudou muito pra aprender isso, ouviu. Vem cá no colo... uuuuupa. Vamos indo que o doutor precisa estudar mais, precisa ler muito livro pra ser assim tão inteligente.
- Tchau, tchau, baixinha. Tchau pro senhor também. Nos vemos da próxima vez.
- E da próxima vez, deixa eu adivinhar o que o doutor vai diagnosticar... hum, vamos chegar aqui e, em três minutos, o que será que o doutor vai dizer? Cof, cof. Tchau, doutor. Bom final de semana. Cof, cof. Quer que eu feche a porta?
- Calma, só um minuto. Esta tosse do senhor.
- O que tem?
- Está há quanto tempo com ela?
- Ah, doutor, faz uma semana, 15 dias.
- Volta aqui, só um minuto. Deixa eu examinar o senhor. Tire a camisa, isso, respire fundo, de novo. Esse chiado, vixe Maria. É tuberculose.
- Meu deus! Tem certeza que não é virose, doutor?
** O colunista escreveu uma atualização, em resposta aos comentários sobre o texto acima:
Olá amigos,
como vão?
Sob o perigo de parecer insensível aos comentários, me senti obrigado a esclarecer três pontos sobre o texto:
1) O texto é pura ficção. Minhas filhas não pegam uma virose há mais de ano - não consigo nem lembrar a última vez que isso aconteceu. E a pediatra que atende minhas pequenas é uma mulher (não um homem, como no texto). E ela nunca erra um diagnóstico, o que me deixa muito impressionado sempre.
2) O título do texto era outro. Chamei este texto de "O que é bom pra tosse". Assim, já no título, dava a pista: bem feito pro pai desinformado que, diagnosticado com tuberculose, adoraria que fosse uma simples virose (que ele, ironicamente, condenou durante todo o texto).
3) O texto foi feito para divertir. É só um diálogo bobo entre um pai desinformado e um médico. Tentei mostrar o médico sempre respeitoso, mesmo com o tom desconfiado do pai. No final o médico ainda se mostra preocupado com a saúde do pai, não demonstrando nenhuma mágoa. Esse desprendimento e devoção, imaginava eu, era característica dos médicos.
Dissecar uma piada é como dissecar um sapo: a gente entende melhor, mas o sapo morre no processo. A piada está morta e um pouco de mim também morre com ela. Deve ter sido uma virose daquelas.