Estar totalmente focado no aqui e no agora, com atenção plena para o que se está fazendo. Parece fácil? Não é. Basta pensar no seu dia a dia. Quantas vezes você consegue se concentrar em uma conversa sem desviar a atenção? Dirigir sem pensar no que fez ontem ou no que terá de fazer amanhã? Almoçar prestando atenção no gosto e na textura da comida? Provavelmente, enquanto lia essas poucas linhas, sua mente já passeou por memórias passadas, você foi distraído pelo celular e se lembrou dos planos que tem para mais tarde. Nada fora do normal. A tendência de nosso cérebro é a inconstância, e domá-lo não é tarefa fácil. Há centenas de anos, diferentes tradições culturais, filosóficas e religiosas buscam as melhores técnicas para acalmar a mente e alcançar um estado de consciência plena. Se antes já era difícil, imagina agora.
Entre as práticas milenares que vêm sendo resgatadas pela cultura ocidental como forma de buscar uma melhor qualidade de vida está o mindfulness ("atenção plena" em português), um conjunto de técnicas meditativas orientais e de foco na rotina diária, desenvolvidas para auxiliar na estabilidade da atenção e, consequentemente, no bem-estar geral. Já bastante difundido nos Estados Unidos e na Europa, o conceito mindfulness está conquistando cada vez mais adeptos no Brasil. Descrito como um conjunto de práticas, um estado psicológico ou até uma técnica contemplativa, ele pode ser entendido como um estado mental conquistado por meio de exercícios diários de foco intencional nas experiências do momento presente, com a mente aberta e sem pré-julgamentos. Ficou confuso? A gente explica melhor.
Remoer o passado e ficar ansioso pelo futuro geram tristeza e até depressão
Quando vivemos uma situação, temos uma tendência de julgar se ela é boa ou ruim. Isso faz parte da nossa sobrevivência no que diz respeito a questões práticas, como a hora certa de atravessar uma rua movimentada. Para questões psicológicas, emocionais, isso pode representar uma armadilha. Continuar pensando em uma situação estressante mesmo após ter passado por ela, ficar remoendo o passado ou ansioso pelo futuro pode atrapalhar o dia a dia, tirar o foco do presente e deixar a pessoa menos funcional. Esse padrão de comportamento altera o estado de humor, pode gerar tristeza e levar à depressão, explica Marcelo Demarzo, médico docente do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenador do Centro Brasileiro de Mindfulness.
Exercitar o cérebro para manter a atenção totalmente voltada ao momento atual é, segundo o especialista, uma das chaves para melhorar a qualidade de vida.
- Quando falamos em atitude não julgadora, estamos destacando outro ponto do mindfulness, que é o esforço para aceitar que os sentimentos negativos fazem parte da vida. Estamos condicionados a uma resposta automática quando deparamos com essas sensações, que é a de nos afastarmos. Entender que elas fazem parte da vida e aceitar a realidade pode ajudar a lidar melhor com as diferentes situações vividas - resume.
Conforme a professora argentina de yoga Luana Hervier, coach em estilo de vida e apresentadora de rádio e TV, o mindfulness é uma prática que pode e deve ser incluída no cotidiano de qualquer pessoa, já que, por meio de exercícios simples, oferece benefícios a curto e a longo prazos. Para Luana, as vantagens imediatas estão no relaxamento, no foco e na maior disposição para enfrentar os desafios:
- Com o tempo, sentimos paz interior, tranquilidade e força necessárias para percorrer esse aprendizado contínuo chamado vida.
>>Mural: Como você busca a atenção plena na sua vida? Conte para a gente!
Conheça algumas técnicas de Mindfulness:
Meditação da respiração
O foco é observar com atenção a respiração. Durante os exercícios, pode-se utilizar contagem para auxiliar na concentração ou usar uma "âncora" (foco em uma parte do corpo) para dirigir a mente toda vez que ela dispersar.
Escaneamento corporal
Prática meditativa que convida a prestar atenção nas partes do corpo, através de um instrutor que vai guiando o foco para cada membro, ajudando a desenvolver uma maior consciência sobre as sensações.
Caminhada meditativa
É uma meditação que se faz caminhando, com atenção plena e foco no ato de caminhar.
Movimentos em mindfulness
Manobras corporais que promovem a consciência da relação mente-corpo, identificando que o movimento é uma extensão do comando da mente.
Meditação da compaixão
Envolve visualização de pessoas de quem gostamos, pessoas a quem somos indiferentes e pessoas com quem temos pequenas dificuldades. O senso de conexão promovido pela técnica motiva o contato com nossos sentimentos mais positivos e maduros, gerando bem-estar.
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Foco na tese de Mauricio
De difícil definição prática, o mindfulness abrange uma série de exercícios tanto físicos quanto mentais que devem ser realizados diariamente. Entre as técnicas mais comuns, estão meditação focada na respiração, escaneamento corporal e movimentos que promovem uma maior consciência da relação mente-corpo, entre outros.
Eles podem ser aprendidos em programas de oito semanas ou em cursos estruturados que abrangem atividades presenciais (junto a um instrutor) e à distância. Após conhecer as técnicas, é a regularidade das práticas, e não necessariamente o tempo que se dedica a elas, o mais importante para manter os benefícios a longo prazo.
- Prestar maior atenção nas sensações do corpo na hora de tomar um banho, por exemplo, já é um exercício importante - explica a psicóloga Daniela Sopezki, instrutora de minfdulness em Porto Alegre.
Quem sentiu na pele (e na mente) os resultados imediatos das práticas foi o psicólogo Mauricio Pinto Marques, de 31 anos. Há poucos meses de terminar um doutorado em psicologia do esporte, o jovem deparou com a dificuldade de focar no trabalho. Quanto mais ansioso ficava, menos conseguia escrever. Com o prazo de entrega da tese chegando ao final, ele decidiu buscar o mindfulness para se concentrar no "aqui e agora" e descobrir como aproveitar melhor o seu tempo. E logo percebeu que tinha feito a escolha certa:
- Eu estava estressado com a falta de tempo para estudar e trabalhar. O artigo, que estava demorando mais de um mês para escrever, consegui finalizar em três dias graças às técnicas que aprendi no curso e que comecei a colocar em prática.
Para Mauricio, o principal desafio não foi aprender os exercícios, mas incorporá-los ao cotidiano. Foi através de atitudes simples, como prestar maior atenção ao servir-se de café ou ao caminhar na rua observando o ambiente, que ele começou a alcançar os objetivos pretendidos. Agora, com o trabalho entregue, ele aguarda, mais relaxado, o dia de defender a tese.
- É muito comum que, no início, as pessoas dispersem bastante, o que é desagradável para alguns. Mas com o andamento do trabalho em grupo, elas vão mudando a relação com as manifestações de sua mente, entendendo que são estados passageiros - explica Daniela Sopezki.
Benefícios comprovados
Diferentemente do que possa parecer, o conceito de mindulness não tem nada de esotérico, místico ou transcendental. Desvinculado de qualquer religião ou crença, é na ciência que ele encontra suas bases. Conforme o psicólogo Tiago Tatton-Ramos, doutorando do Institute of Psychiatry em Londres, pesquisas que comprovam cientificamente os benefícios das práticas vêm sendo publicadas ao redor do mundo desde a década de 80. Entre elas, a melhoria física e mental em pacientes com doenças que vão desde o estresse até o câncer, problemas cardíacos, dores crônicas e pacientes com HIV.
- Há estudos sugerindo que a prática de mindfulness é capaz de alterar, positivamente, a própria anatomia do cérebro - explica Tiago.
No Reino Unido, as práticas já fazem parte do sistema público de saúde e são utilizadas para prevenir recaída em pacientes depressivos.
Veja o que mais a ciência tem a dizer sobre o mindfulness:
- Reduz sintomas de ansiedade, estresse e depressão
- Melhora a qualidade de vida de pacientes com dor crônica, câncer e fibromialgia
- Reduz o risco de depressão entre as mulheres grávidas
- Melhora a concentração e o aproveitamento escolar
- Auxilia na redução de peso