A nossa interação com o mundo é seguramente o mais longo processo de adaptação da espécie. Desde os tempos remotos em que as prioridades elementares de comer e reproduzir se contentavam com os limites impostos pela caverna, até o homem contemporâneo, muito se aprendeu dos nossos recursos naturais de autopreservação.
A busca obstinada à proteção máxima cresceu de maneira tão exponencial nas últimas décadas que, atualmente, gasta-se mais em segurança do que em produção de alimentos. Mas mesmo que estivéssemos completamente protegidos de todos os males exteriores em algum bunker impenetrável, ainda correríamos o risco de ser aprisionados em alguma cilada afetiva e, para essas, as barreiras materiais, como era de se prever, não funcionam.
Muito se tem escrito sobre a importância do nosso estado de espírito no enfrentamento dos inimigos internos e externos, especialmente depois que se percebeu que a depressão não é apenas uma condição desfavorável em si mesma, mas uma usina de fragilidades dela decorrentes.
Regras têm sido ensinadas no afã de fortalecer as pessoas nesta batalha em busca da felicidade, mas a única certeza que se tem é que elas garantem mesmo a estabilidade econômica dos autores de livros de autoajuda.
Às vezes se extrapola atribuindo, por exemplo, o surgimento de um câncer a uma catástrofe pessoal, como se um tumor pudesse se formar em poucas semanas ou meses. Recentemente, um familiar me questionou sobre a possibilidade de que um câncer diagnosticado no viúvo depois da perda de uma mulher muito amada pudesse ser resultado desse luto especialmente doloroso.
A interlocutora, com formação em psicologia, pareceu decepcionada quando expliquei que, desde que uma célula iniciou o processo de duplicação anárquica do câncer de pulmão até o tamanho de um centímetro quando começa a ser visível numa radiografia de tórax, já decorreram 10 anos, e que, portanto, não se pode improvisar um tumor desses por circunstâncias emocionais desfavoráveis e, como regra, transitórias.
A participação do psiquismo na fortaleza ou depauperação das nossas defesas é muito evidente em processos infecciosos, especialmente nas doenças virais.
Um episódio gripal severo que coincida com a alegria da aprovação no vestibular será solenemente ignorado e até um reles vasoconstritor nasal será considerado desnecessário. Transfira-se o mesmo episódio a um chefe de família, meia idade, e que acabou de ser demitido depois de 30 anos de trabalho e teremos uma pneumonia a caminho, com consequências potencialmente devastadoras. É de se esperar que os terapeutas visionários estejam trabalhando com vacinas euforizantes. Claro que o deprimido adoece mais, até porque antes de contrair alguma enfermidade, ele já adoeceu de si mesmo.