Em região carbonífera do RS, a vulnerabilidade socioeconômica das famílias e fatores como tabagismo materno e baixo peso ao nascer podem ser relevantes para o desenvolvimento de doenças respiratórias em crianças. A constatação está em estudo publicado nesta sexta (4) na revista científica “Anais da Academia Brasileira de Ciências” por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande (Furg).
- Estudo da Furg avaliou saúde de 396 crianças; nove em cada 10 viviam em residências com renda per capita menor que meio salário
- Entre as mães, 24% fumaram durante a gestação, e 36% das crianças conviviam com mães tabagistas
- Pesquisa ajuda a alertar autoridades para a potencialização dos problemas respiratórios em contexto de poluição ambiental
Segundo o artigo, 88% das crianças viviam em residências com renda per capita inferior a meio salário mínimo, 24% tinham mães que fumaram durante a gestação e 36% conviviam com mães tabagistas. Mais da metade das crianças tinham histórico de chiado no peito e 19% delas tiveram pneumonia. Entre as crianças com histórico de problemas respiratórios, as chances de ter função pulmonar alterada foram de 100%, e a presença de um fumante em casa aumentava em 33% essa prevalência. Já crianças com histórico de baixo peso ao nascer tiveram uma alteração 61% maior na função respiratória.
A pesquisa buscou compreender se a função pulmonar de crianças que vivem em sete municípios onde há minas de carvão pode ser afetada pela atividade mineradora. A equipe realizou um estudo epidemiológico com 396 crianças entre sete e 12 anos das cidades de Candiota, Bagé, Aceguá, Hulha Negra, Pedras Altas, Pinheiro Machado e Herval. A região abriga 40% das reservas de carvão do Brasil.
Os cientistas aplicaram questionário aos responsáveis sobre as condições socioeconômicas e de nascimento dos menores e realizaram um exame de espirometria, conhecido como exame do sopro, que avalia a capacidade pulmonar. A amostra foi representativa da população infantil local. O grupo também coletou informações sobre a qualidade do ar local.
Entre as crianças avaliadas, 31 – quase 8% – apresentaram função pulmonar alterada. A prevalência é similar à de outras áreas industriais no Brasil, mas menor do que o esperado pelos pesquisadores inicialmente.
— Não existe um aumento pronunciado, mas é importante levar em consideração que, quando se tem uma exposição alta à poluição ambiental associada a problemas estruturais socioeconômicos, isso pode potencializar efeitos na saúde — afirma Flávio Rodrigues, biólogo toxicologista, coautor do estudo e pesquisador da Furg.
Os dados foram enviados para as secretarias de saúde municipais e para as secretarias de educação para orientar políticas públicas para prevenção de problemas respiratórios, de acordo com os pesquisadores. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão licenciador das usinas termelétricas, também foi informado para auxiliar em ações de gestão ambiental.
Rodrigues ressalta que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a exposição à poluição é um importante fator de risco para mortalidade precoce.
— Pelo menos 7 milhões de pessoas morrem por ano em decorrência da poluição, então é muito importante que o poder público a enxergue como um problema sério — comenta.
Este é um dos primeiros estudos que avalia a saúde pulmonar de uma população que vive próxima a regiões carboníferas no país, de acordo com o biólogo. Até agora, apenas dados sobre áreas de minas de carvão na China e na Europa Ocidental estavam disponíveis.
— Não tínhamos informações sobre a população brasileira, então agora podemos basear melhor nossas políticas públicas e ações de gestão ambiental — diz.