A superlotação das unidades de terapia intensiva pediátricas no Estado e as filas para atendimento de crianças estão relacionadas à redução de leitos de atendimento, sejam eles em UTIs ou de internação clínica. Essa é a conclusão de um levantamento divulgado nesta terça-feira (26) pelo Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), que fez um raio-X da pediatria gaúcha.
O trabalho indica que 131 municípios gaúchos não têm pediatras cadastrados para atuação. O sindicato afirma que não faltam profissionais, e sim há má distribuição no RS por conta de ausência de políticas para fixação de pediatras no Interior.
Segundo o Simers, entre 2019 e 2023, o Estado perdeu 4% dos leitos de UTI pediátrica saindo de 269 para 258, entre o Sistema Único de Saúde (SUS) e a rede privada. Na Capital, a queda foi maior: quase 16%, de 135 leitos de complexidade para 114. A redução no SUS foi de 20%. Em 2019, Porto Alegre tinha 105 leitos de UTI públicos; em 2023, eram 84.
Já os leitos de internação pediátrica e cirúrgica tiveram redução de 11% no Estado entre 2019 e 2023, ao cair de 2.888 para 2.567 locais de internação. A diminuição maior foi contabilizada nos leitos do SUS – quase 13% – ao cair de 2.267 para 1.975 entre 2019 e 2023. Na rede privada, a queda foi de 4,66%: de 621 leitos em 2019 para 592 no final do ano passado.
Na contramão, Porto Alegre registrou aumento de 7% no número desses leitos de pediatria. O número passou de 494 para 531. Já os leitos do SUS aumentaram em 11%, de 376 para 416 leitos em quatro anos.
O estudo também considera a presença de pediatras no Estado. O Simers afirma que 131 municípios gaúchos não possuem profissionais cadastrados para atuação e 85 contavam com menos de um médico pediatra a cada mil habitantes. Atualmente, há 3.119 desses profissionais registrados no Estado, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM).
O sindicato afirma que os especialistas estão concentrados em municípios da Região Metropolitana. A região Norte e região Central são as mais afetadas pela ausência de profissionais.
— Não temos falta de pediatras no Estado, o que ocorre é que não existe uma política eficaz para atrair e fixar esse profissional, especialmente no setor público. Temos uma dificuldade grande do ponto de vista de vínculo de trabalho que garanta segurança funcional para a categoria, principalmente em cidades de pequeno porte — afirma Fernando Uberti, diretor-geral do Simers.
Cidades com mais pediatras no RS
- Porto Alegre: 956
- São Leopoldo: 281
- Canoas: 252
- Caxias do Sul: 249
- Gravataí: 144
Segundo o Simers, foram fecharam as áreas de maternidade em 35 hospitais gaúchos nos últimos quatro anos. A pesquisa aponta que houve redução de 35% nos leitos SUS voltados a esse setor, de 123 para 80, entre 2019 e 2023.
Carência de serviços na Capital
Mesmo em Porto Alegre e na Região Metropolitana, muitos serviços deixaram de existir nos últimos anos, não somente vinculados ao SUS. Algumas instituições e unidades de atendimento pediátrico de emergência encerraram totalmente as atividades, e outros fecharam espaços dedicados a leitos na área de pediatria, como o caso do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
O hospital fechou o setor materno-infantil em junho de 2020. Com isso, os 75 leitos que existiam no local e os profissionais da saúde voltados a essa área foram encaminhados ao Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas, por meio de convênio com a Secretaria Municipal da Saúde (SMS).
Entre 2019 e 2023, encerraram os atendimentos pediátricos de emergência:
- Hospital São Lucas da PUC
- UPA Moacyr Scliar
- Hospital de Pronto Socorro de Canoas
- Hospital Universitário de Canoas
- Hospital da Unimed Guaíba - encerrou todas as atividades
- Hospital de Portão
- Fundação Hospitalar de Rolante
- Hospital Bom Jesus de Taquara
- Hospital de Viamão
- Centro de Atendimento a Saúde da Criança (CASC), de Canoas
O Hospital Vila Nova, na zona Sul de Porto Alegre, encerrou as operações de sua unidade de UTI pediátrica em novembro do ano passado, menos de seis meses após a abertura do setor, pela ausência de recursos financeiros do SUS para a manutenção do serviço. O hospital tem em operação 20 leitos para internação pediátrica e Emergência 24 horas, mas não para alta complexidade.
Considerando a rede do SUS, Porto Alegre tem atendimento pediátrico de urgência e emergência no Hospital de Clínicas, no Hospital da Criança Conceição, no Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas, no Hospital da Restinga e no Hospital da Criança Santo Antônio, do Complexo Hospitalar da Santa Casa. Também há pronto atendimento nas UPAs Bom Jesus, Cruzeiro do Sul e Lomba do Pinheiro.
— Entendemos que expandir a rede de leitos é uma questão central, mas temos de ter uma estratégia, uma política pública para atrair e fixar o pediatra nesses locais. Não vamos ter assistência somente com leitos: não adianta nada criarmos novas estruturas sofisticadas em termos de equipamento, se não tivermos recurso humano capacitado — acrescenta o diretor-geral do Simers.
Chegada do outono e risco de superlotação
O outono começou na última quarta-feira (20) e, com a mudança no tempo, especialistas alertam para o risco do aumento de casos de síndromes respiratórias nas crianças. Nas situações em que a hospitalização é necessária, os registros mais recorrentes são as crises de asma ou quadros de bronquiolite e pneumonia.
Nesta terça-feira (26), no Hospital de Clínicas, no Hospital da Criança Conceição e no Presidente Vargas, a lotação dos leitos está acima de 100%, conforme dados da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre.
No ano passado, a partir do mês de março, houve aumento expressivo na procura por atendimento para crianças em Porto Alegre, que resultou na superlotação de emergências pediátricas de hospitais públicos e privados da Capital. Com isso, diversas instituições tiveram que operar acima da capacidade.
Além do aumento no tempo de espera por atendimento, os hospitais e unidades de saúde tiveram que fazer adaptações para abrigar os pacientes, como instalação de macas nos corredores e no meio das salas para acomodar as crianças. O mesmo se repete nas instituições privadas. Só de 24 a 30 de maio do ano passado, o Hospital Moinhos de Vento atendeu a um total de 882 crianças, a maioria com doenças respiratórias, conforme apuração de GZH.