A recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) para aplicar doses de reforço da vacina contra a covid-19 somente nos grupos de alto risco suscitou debate entre especialistas da área. A avaliação entre médicos brasileiros é que no país uma nova vacinação em massa realmente não seria necessária, enquanto outros pontuam que as especificidades locais devem ser levadas em consideração.
No comunicado, a OMS justifica a recomendação "dado o alto nível de imunização alcançado pelas populações em vários países", mas afirma que as autoridades locais devem analisar contextos específicos.
— É um reflexo de que grande parte da população já está vacinada, foi infectada com a covid-19, ou as duas coisas ao mesmo tempo — afirmou Hanna Nohynek, presidente do Grupo Assessor Estratégico de Especialistas em Vacinas (Sage) da OMS.
Representante do Brasil no comitê da OMS, o pediatra e infectologista Renato Kfouri destaca que a nova recomendação vale especialmente para as doses de reforço.
— A questão é reforço, levando em consideração principalmente que todos precisam ter tomado três doses no esquema básico — afirmou ele.
Segundo Kfouri, a discussão no grupo de especialistas foi bastante intensa porque levava em conta muitas realidades diferentes.
— Estabelecer uma recomendação única para os países não é uma tarefa fácil, então, acho que o que foi decidido é o que já imaginávamos e defendemos. Não há evidências suficientes hoje para reforçar a vacina na população inteira (no mundo todo) — afirmou.
— A doença está ficando com caráter endêmico. A pandemia está acabando e vamos migrar para um modelo de vacinação, como vacinamos as pessoas contra a gripe, entendendo quais são os grupos mais vulneráveis e fazendo recomendações em saúde pública, focadas no público que tem maior risco de mortalidade — disse ainda Kfouri, também presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Lauro Ferreira Pinto Neto, infectologista da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professor da Escola de Medicina da Santa Casa de Vitória, concorda com a decisão anunciada pela OMS, que leva em conta, segundo ele, a realidade atual.
— O painel é dinâmico e mudanças podem ocorrer — afirma o especialista.
Decisão
Já Giovanna Marssola Nascimento, infectologista do Hospital Leforte da unidade Morumbi, lembra que o próprio consenso dos especialistas da OMS orientou que os países embasassem suas decisões em fatores contextuais (carga da doença, custo-efetividade e outras prioridades programáticas ou de saúde e custos de oportunidade).
— O cenário brasileiro é de baixa cobertura vacinal de várias doenças por falta de políticas de incentivo nos últimos anos. Estamos em um momento de resgatar a importância da cobertura vacinal no país. Desencorajar este processo seria, a meu ver, um retrocesso — afirma a especialista.
Cláudia França Cavalcante Valente, coordenadora do Departamento Científico de Imunização da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), afirma que as reavaliações acontecem em todos os programas de imunizações para todas as doenças.
Com a covid-19 em novo momento epidemiológico, é indicada uma reavaliação sobre a aplicação da vacina de reforço, mas no caso do Brasil, segundo ela, devem ser seguidas as indicações do Programa Nacional de Imunizações (PNI).
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.