As postagens da auxiliar de cozinha e influenciadora digital Letícia Andrea Ramos, 31 anos, de Uberaba, em Minas Gerais, têm viralizado nas redes sociais. A mineira começou a ganhar notoriedade com os internautas após divulgar um vídeo, em janeiro deste ano, no qual aparece comendo grande quantidade de amido de milho. O alimento faz parte do tratamento nutricional para uma doença genética rara, chamada glicogenose.
Atualmente com 12 mil seguidores no Instagram e 38,7 mil no TikTok, Letícia compartilha, de forma leve e humorada, sua rotina com os seguidores. Em vídeos e fotos, a influencer aparece realizando exercícios físicos, além de ingerindo o alimento em grandes porções, recomendações que foram dadas a ela por nutricionistas e médicos.
Em entrevista a GZH, a auxiliar de cozinha contou que descobriu a glicogenose quando tinha três anos. Nessa época, os pais de Letícia perceberam que a filha apresentava sintomas de uma doença, desconhecida até então pela família, devido ao abdômen estendido, coloração da pele amarelada e urina escura. Além disso, a influencer sofria com convulsões. A partir disso, tomaram a decisão de procurar ajuda médica.
A descoberta da doença e a criação dos conteúdos
De acordo com Letícia, ela realizou consultas com diversos médicos e cada um a diagnosticava com um tipo diferente de doença. Diante da evolução dos sintomas, uma médica de Uberaba que já havia constatado que Letícia apresentava grau elevado de hepatite, solicitou uma biópsia e encaminhou a paciente para o Hospital de Clínicas de São Paulo.
Na instituição médica paulista, foram realizadas outras duas biópsias e a partir desses exames foi confirmado o quadro de glicogenose, doença genética caracterizada por um distúrbio de armazenamento de glicogênio (composto químico responsável por "estocar" açúcares).
De acordo com Letícia, como nessa época não existiam muitos estudos médicos sobre a doença nem exames apropriados, o diagnóstico que recebeu foi equivocado ao considerar que ela tinha glicogenose do tipo três.
— Existem mais de 10 tipos de glicogenose. Cada um com sua peculiaridade e tratamento individualizado. A minha é do tipo 9 C, mas só descobri depois de 25 anos. Na época do meu diagnóstico, aos três anos, acharam que era a do tipo três — explicou.
Letícia relata que cogitava há algum tempo criar conteúdos sobre a doença nas redes sociais, mas que ficou receosa de sofrer preconceito ou de as pessoas não conseguirem compreender a mensagem que ela pretendia transmitir.
— No começo fiquei com medo de como as pessoas iriam reagir sobre essa doença, como elas enxergariam isso. Sempre tive esse receio nas escolas que estudei, na faculdade — contou.
Apesar da insegurança, a influenciadora decidiu arriscar:
— Em pouco tempo, percebi que o pessoal gostou bastante. Era algo bem leve mesmo. Então, acabei continuando.
Confira alguns conteúdos publicados:
O que é a doença?
Segundo Carolina Fischinger, médica geneticista do Hospital Moinhos de Vento e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal e Erros Inatos do Metabolismo (SBTEIM), que atua no Serviço de Referência para Doenças Raras do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, a glicogenose é uma doença congênita que interfere no funcionamento do glicogênio, molécula responsável pelo armazenamento de açúcares, e consequentemente, pela produção de energia.
— Quando pessoas que não têm a doença entram em jejum de duas a três horas, um hormônio chamado glucagon quebra o glicogênio que está armazenado para ser utilizado. Em indivíduos com glicogenose, há problema tanto no processo de armazenamento desse composto químico quanto na quebra desse glicogênio para transformação em glicose — explicou.
De acordo com a geneticista, existem 14 tipos conhecidos de glicogenose, que se subdividem entre hepáticas e musculares. O primeiro grupo compreende aquelas que afetam principalmente o fígado e as principais são as do tipo 1 A, 1 B, 3, 9 A, 9 B e 9 C. Já o segundo, corresponde as que trazem danos aos músculos, sendo a do tipo 2 a mais comum, conhecida como Doença de Pompe.
O diagnóstico da glicogenose pode ser realizado com base nos sintomas clínicos do paciente — crescimento do fígado, escurecimento da urina, dificuldade de crescimento muscular, aumento da barriga, fraqueza muscular, baixa concentração de açúcar no sangue (hipoglicemia), convulsões, entre outros.
Atualmente também existe um diagnóstico genético, baseado em uma análise de DNA. Com isso, é possível determinar com mais precisão o tipo de glicogenose do paciente e a alteração genética envolvida. Não existe cura, mas há tratamentos nutricionais que ajudam a controlar a doença e a equilibrar os níveis de glicogênio.
Uso do amido de milho
Segundo Carolina Fischinger, o uso do amido de milho como tratamento nutricional da glicogenose é aplicado desde 1980. Esse alimento é utilizado em pessoas que têm a doença porque ele é capaz de manter os níveis de glicemia estáveis (concentração de glicose no sangue).
É recomendado que os pacientes consumam tipos de amido de milho que contenham grande quantidade de amilopectina (molécula de açúcar presentes na composição), porque quanto maior a presença desse composto químico, mais difícil se torna para o organismo quebrar de forma rápida a glicose, o que garante a manutenção dos níveis adequados de glicemia.
A quantidade de amido recomendada varia de indivíduo a indivíduo porque são levados em conta alguns fatores.
— É como se fosse remédio e ele (amido de milho) deve ser pesado em gramas e ser utilizado conforme a tolerância a necessidade do paciente. Ou cada quatro horas ou a cada três horas ou a cada seis horas. Depende de caso a caso e do tipo de glicogenose — explicou a médica.
Letícia contou que no seu caso, a nutricionista recomendou que ela consuma o alimento a cada quatro horas. Ingerir amido em excesso pode ser prejudicial à saúde e levar a um quadro de obesidade. Por conta disso, Carolina Fischinger explicou que a dieta com esse alimento precisa ser feita com acompanhamento de profissionais da saúde.
Produção: Filipe Pimentel