Um estudo conduzido por hospitais, rede e institutos de pesquisas brasileiros apontou que o uso de hidroxicloroquina não demonstrou benefícios na prevenção de hospitalização devido à covid-19. A análise é a quinta de uma série de estudos conduzida pelo grupo e tinha como objetivo avaliar se o medicamento poderia trazer benefícios a adultos não hospitalizados com formas leves ou moderadas da doença. Os resultados foram publicados no periódico científico The Lancet Regional Health - Americas, na quinta-feira (31).
Nomeado de Coalizão V, o estudo é fruto de uma aliança para condução de pesquisas formada pelo Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Hospital Israelita Albert Einstein, HCor, Hospital Sírio-Libanês, Hospital Moinhos de Vento, BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, o Brazilian Clinical Research Institute (BCRI) e Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet). A iniciativa, chamada de Coalizão Covid-19 Brasil, avalia a eficácia e a segurança de potenciais terapias para pacientes com a doença e é responsável por conduzir nove pesquisas voltadas a diferentes grupos de pacientes infectados pelo vírus.
Aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Coalizão V contou com o apoio da farmacêutica EMS, que forneceu os medicamentos, e com a participação de 56 centros de pesquisa brasileiros. O estudo teve início em 12 de maio de 2020 e foi finalizado em 7 de julho de 2021.
Regis Goulart Rosa, médico e pesquisador do Hospital Moinhos de Vento e membro da Coalizão Covid-19 Brasil, explica que o estudo utilizou um método chamado ensaio clínico randomizado, que é o padrão ouro para avaliar se uma droga é eficaz e segura para determinada doença. Isso significa que foram sorteados entre os 1.372 participantes — que eram pacientes não hospitalizados com quadros leves ou moderados de covid-19 — quem receberia a hidroxicloroquina e quem receberia o placebo. Assim, pode-se avaliar o uso do medicamento em comparação com a outra substância.
— Ou seja, nem o participante nem o médico sabiam o que o paciente receberia. Então era um estudo cegado, o que dá um rigor metodológico maior. É um desenho de estudo extremamente rigoroso. Ao todo, foram randomizados 689 participantes para receber hidroxicloroquina e 683 para receber placebo — afirma Rosa.
Os participantes deveriam ter menos de sete dias de evolução dos sintomas e ao menos uma comorbidade que aumentasse o risco de deterioração clínica devido à doença, como idade avançada, asma, enfisema pulmonar ou algum grau de imunossupressão. De acordo com o pesquisador, essa é a principal diferença deste estudo: ao contrário de outras pesquisas lançadas entre 2020 e 2021, onde se avaliou a hidroxicloroquina no contexto de pacientes hospitalizados, o Coalizão V observou pacientes ambulatoriais, que não necessitavam de hospitalização, mas tinham algum fator de risco para uma má evolução da doença.
A dose de medicamento avaliada foi de 400mg de 12 em 12 horas no primeiro dia, seguido de 400mg por dia durante o período total de sete dias. O objetivo principal avaliou as taxas de hospitalização decorrentes de complicações da covid-19 em até 30 dias após o início do estudo. E, mesmo com um grande número de participantes, os resultados não mostraram uma diferença estatisticamente significativa nesse risco ao comparar os grupos que receberam hidroxicloroquina e placebo:
— A taxa de hospitalização foi de 6,4% no grupo da hidroxicloroquina e de 8,3% no grupo do placebo, uma diferença que não é estatisticamente significativa. Então, não podemos dizer que a hidroxicloroquina resultou em uma taxa de hospitalização diferente do placebo, porque foi muito semelhante.
Mesmo diante deste resultado, os pesquisadores juntaram os dados do Coalizão V com os de outros ensaios clínicos randomizados realizados em outras populações, para complementar a análise. A conclusão foi de que o uso de hidroxicloroquina em pacientes com covid-19 leve ou moderada, que não estão hospitalizados e têm alguma comorbidade, não resultou em benefícios em termos de prevenção de hospitalização e em outros desfechos como mortalidade, necessidade de internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ou incidência de pneumonia por coronavírus, destaca Rosa.
Outros estudos da Coalizão Covid-19 Brasil
- Coalizão VII – Está avaliando o impacto a longo prazo, após alta hospitalar, incluindo qualidade de vida, de pacientes que tiveram covid-19 e foram participantes dos demais estudos da Coalizão. Foram incluídos mais de 1,5 mil pacientes. Em andamento.
- Coalizão VIII – Está em avaliação se anticoagulação com rivaroxabana previne agravamento da doença com necessidade de hospitalização em pacientes não-hospitalizados com formas leves ou moderadas da covid-19. Foram incluídos 650 pacientes. Em andamento.
- Coalizão IX – Avaliará se drogas antivirais isoladas e/ou em combinação entre si são efetivas para tratar casos de covid-19 hospitalizados com doença moderada. Os antivirais a serem testados são atazanavir, daclatasvir e daclatasvir associado a sofosbuvir. Previsão de início na primeira quinzena de agosto.