É enganosa postagem que circula pelo Twitter que afirma que as máscaras não protegem da infecção pelo coronavírus, e que o uso do item serviria apenas para impedir que infectados transmitam a doença. A afirmação foi feita pelo empresário e youtuber Peter Jordan. No dia 26 de março, ele fez um tuíte se queixando de que foi infectado pela covid-19 após circular com máscara por um shopping, onde poucas pessoas utilizavam o item.
Um usuário questionou como era possível ele ter pegado a doença, uma vez que as máscaras deveriam conferir proteção. “A máscara protege de não transmitir. De pegar, ela não protege”, escreveu Jordan. Uma imagem da sequência desses três tuítes foi postada por um outro usuário, no dia seguinte, 27 de março.
O post do youtuber em que ele relata a ida ao shopping foi apagado, mas a sequência do diálogo continua publicada. Na conversa, um quarto usuário pediu explicação sobre o argumento de Peter, mas o empresário apenas respondeu que não sabia como explicar e atribuiu a informação ao seu médico, mas não citou o nome do profissional. “Eu não sei explicar Rael (nome do usuário), foi meu médico que me disse. Eu geralmente confio nele”, escreveu Peter.
De acordo com autoridades sanitárias de todo o mundo, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e especialistas ouvidos pelo Comprova, o uso de máscaras é uma das principais medidas de combate à pandemia de covid-19, e serve para ambas as situações (evita que infectados transmitam a doença e que pessoas saudáveis sejam infectadas).
Ou seja, quando pessoas com covid-19 e pessoas saudáveis estão dividindo um mesmo ambiente, os riscos de contaminação podem ser muito reduzidos, desde que todos estejam usando máscaras de qualidade. O distanciamento social, a higienização das mãos e a ventilação em ambientes internos também são medidas importantes para diminuir o risco de contaminação.
A efetividade do uso das máscaras também depende do tipo de objeto utilizado e da forma que o item está colocado no rosto. Utilizar a mesma máscara por muito tempo ou de maneira incorreta contribui para a perda da efetividade. Máscaras do tipo PFF2 ou N95 asseguram um grau de filtragem das partículas externas de até 95%, que é maior do que as máscaras cirúrgicas (89%) de TNT (78%) e de algodão ou pano (40%).
Para o Comprova, enganoso é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
O que diz o autor do tuíte
A reportagem entrou em contato com Peter Jordan por meio de e-mail disponível em suas redes sociais, mas não houve retorno. Não foi possível entrar em contato com o responsável pela postagem do print com a sequência do diálogo porque o envio de mensagens diretas em seu perfil no Twitter é bloqueado.
Como verificamos
Como a postagem verificada foi feita no Twitter e traz o print de outra publicação na mesma plataforma, o primeiro passo da verificação foi buscar o post original. Neste procedimento, a equipe constatou que Jordan apagou a postagem em que relata ter ido ao shopping e, em seguida, ser diagnosticado com covid-19. No entanto, a resposta a um outro usuário – em que o youtuber afirma “A máscara protege de não transmitir. De pegar, ela não protege” – continua publicada.
Para entender se há base científica na afirmação de Jordan, o Comprova entrevistou os infectologistas Raphael Guimarães, do Observatório covid-19 da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e Boaventura Braz, do Hospital Estadual de Doenças Tropicais Dr. Anuar Auad (HDT), de Goiânia.
Além disso, a equipe também fez pesquisa em publicações oficiais da OMS em busca do histórico de recomendações da instituição sobre o uso de máscaras. Também realizamos um levantamento sobre outras verificações realizadas pelo Comprova sobre o tema.
Por fim, buscamos informações sobre as atuais regras de uso de máscara no Brasil e entramos em contato com Peter Jordan e o usuário do Twitter que publicou o print da postagem do youtuber.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 5 de abril de 2022.
Máscaras são importantes para proteger contra covid-19 e evitar transmissão
Desde que passou a recomendar o uso de máscaras como forma de prevenção à covid-19, em junho de 2020, a OMS destaca que a utilização do item serve tanto para evitar que o portador infectado transmita o vírus a terceiros, quanto para oferecer proteção contra a infecção ao usuário da máscara que esteja saudável. Atualmente, a OMS mantém o uso de máscaras listado no seu site como uma das formas de prevenção à covid-19, ao lado de diversas outras medidas, e ressalta que, dependendo do tipo, as máscaras “podem ser usadas para proteção de pessoas saudáveis, prevenir a transmissão, ou ambos”.
Ao longo de toda a pandemia, foram realizados diversos estudos e experimentos apontando a eficiência do uso das máscaras, alguns deles citados em checagens recentes do Comprova (1, 2 e 3). De acordo com artigo publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), de dezembro de 2021, uma pessoa não vacinada sem máscara a uma distância de até três metros de outra, infectada pela covid-19 e também sem máscara, leva menos de cinco minutos para se infectar com o novo coronavírus, o que reforça a importância do uso do item. Segundo a mesma publicação, em situação idêntica, mas com ambas as pessoas com máscaras do tipo PFF2 ou N95, as chances de infecção pela doença são de apenas 0,1% e em um tempo de exposição quatro vezes maior (cerca de 20 minutos).
A importância do uso da máscara, independentemente de a pessoa estar infectada ou não, também é corroborada por especialistas ouvidos pelo Comprova. Para o infectologista Raphael Guimarães, as máscaras são eficientes tanto para pessoas não serem contaminadas, quanto para que os infectados deixem de transmitir o vírus, mas desde que seu uso seja feito da maneira correta.
– Alguns detalhes precisam ser observados. Por exemplo, o uso de uma mesma máscara por muito tempo, inevitavelmente, leva à sua perda de efetividade. Quanto mais tempo uma máscara é utilizada, mais úmida ela fica, por conta da respiração e da fala da pessoa, e a umidade faz o material perder efetividade – explica o pesquisador, que ainda cita outros aspectos que podem contribuir para o mau funcionamento das máscaras:
– O grau de vedação é um segundo ponto importante, porque não deve haver nenhum espaço ou buracos entre a máscara e o rosto. Assim, é importante observarmos se o elástico ao redor da orelha não está muito frouxo, ou se o clipe nasal está mal ajustado. Não se trata apenas de usar máscara, mas de utilizá-la da forma correta – acrescenta Guimarães.
Por fim, Guimarães comenta que em um ambiente fechado em que há circulação de pessoas infectadas pela covid-19 e sem máscara (como provavelmente era o caso do shopping mencionado na postagem), qualquer descuido com o item, por mais breve que seja, pode resultar na infecção:
– Tirar a máscara, que seja por poucos segundos para comer ou beber algo, por exemplo, pode ser o suficiente para entrar em contato com partículas contaminadas.
O infectologista Boaventura Braz também afirma que estudos científicos mostram, até o momento, que o uso de máscara é eficaz para evitar transmitir e ser contaminado com covid-19. “Quando você está usando máscara, principalmente do tipo N95, pois estou falando das melhores máscaras para proteção, você consegue se proteger, sim”, afirma o médico.
A atual flexibilização do uso de máscaras
Nas últimas semanas, estados e prefeituras têm publicado decretos liberando a população da obrigatoriedade do uso de máscaras em ambientes abertos e fechados, sob o argumento de que há melhora no cenário epidemiológico. Dados do consórcio de veículos de imprensa, coletados a partir de informações das secretarias estaduais de Saúde, mostram que a média móvel de mortes pela covid-19 no Brasil é de 196. Entre os estados, 20 registram queda, cinco estão com dados estáveis e um, o Amazonas, tem alta.
Em relação à vacinação, 81,95% da população recebeu a primeira dose contra a covid-19. Já a segunda dose foi aplicada em 75,12%. Os dados foram atualizados no dia 5 de abril de 2022.
Na visão de Braz, a máscara deve continuar a ser usada em situações de aglomeração, tanto em ambientes fechados quanto abertos. Além disso, ele recomenda que pessoas com imunodepressão continuem fazendo o uso regularmente.
– Em ambientes hospitalares, os profissionais com certeza devem manter uso de máscara, até para proteger pessoas que já estão com a saúde debilitada – afirmou.
No dia 1º de abril, os ministérios do Trabalho e Previdência e da Saúde publicaram portaria com flexibilização do uso de máscaras em ambientes de trabalho. De acordo com o documento, fica dispensado o uso e fornecimento do objeto em estados ou municípios que deixaram de exigir a máscara em ambientes fechados. Em caso de aumento de casos de covid-19 localmente, a medida pode ser reavaliada.
A OMS já mudou seu posicionamento sobre uso de máscaras?
Embora o uso de máscaras seja hoje defendido por especialistas e autoridades sanitárias de todo o mundo, no início da pandemia, o entendimento não era exatamente o mesmo. Foi só em junho de 2020 que a OMS, por exemplo, passou a recomendar o uso das máscaras pela população em geral como forma de prevenção ao novo coronavírus.
Em um comunicado de abril de 2020, a OMS reconheceu que as máscaras eram uma forma de conter a disseminação do novo coronavírus, mas que o uso do item deveria ser direcionado para pessoas com sintomas ou já diagnosticadas com a doença. “No momento não há evidência de que o uso de uma máscara (seja cirúrgica ou de outros tipos) por pessoas saudáveis na comunidade em geral, incluindo o uso universal de máscara na comunidade, possa prevenir uma infecção por vírus respiratórios, inclusive a covid-19”, escreveu a entidade.
Na época, a OMS frisou ainda que o uso de máscara pela população saudável poderia criar uma “falsa sensação de segurança”, fazendo com que as pessoas negligenciassem outras medidas essenciais, como as práticas de higienização das mãos e o distanciamento físico. A organização citou ainda que o uso universal de máscaras poderia acarretar na falta do item para profissionais da saúde.
Dois meses depois, após novos estudos sobre o comportamento e as características de transmissão da covid-19, a OMS apresentou novos direcionamentos em relação às máscaras, passando a recomendar a utilização do item por toda a comunidade. “Para prevenir a transmissão da covid-19 com eficácia em zonas de transmissão comunitária, os governos devem encorajar o público em geral a usar máscaras em situações e ambientes específicos, como parte de uma abordagem abrangente para suprimir a transmissão do SARS-CoV-2”, escreveu a OMS. De acordo com a entidade, a recomendação do uso de máscaras por toda a população tinha como objetivo “evitar que o portador infectado transmita o vírus a terceiros, e/ou oferecer proteção contra a infecção ao utilizador [da máscara] saudável”. Ao longo de toda a pandemia, a OMS manteve essa recomendação.
Quem é Peter Jordan?
Peter Jordan é um empresário e produtor de conteúdo digital que atua no segmento geek. Ele é o fundador do site Ei Nerd, dedicado à cobertura de cinema, TV, games e histórias em quadrinhos. O canal do Youtube do Ei Nerd, onde Jordan apresenta vídeos sobre o universo geek e cultura pop, conta com mais de 12 milhões de inscritos. De acordo com informações da descrição do próprio canal, desde 2018 o Ei Nerd é eleito pelo Youtube como um dos 50 canais da plataforma mais influentes do Brasil.
Jordan também é dono de outros dois canais no Youtube: Nerds de Negócio e Peter Aqui, e é CEO da empresa de inovação digital e desenvolvedora de sites Pentaxxon. Ele possui cerca de 2 milhões de seguidores no Instagram e pouco mais de 520 mil no Twitter, onde o post sobre as máscaras foi feito.
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. A divulgação de conteúdo falso relacionado ao uso de máscaras por causa da covid-19 pode levar a população a deixar de usar o objeto mesmo em situações de aglomeração, o que pode provocar o aumento de casos da doença.
Alcance da publicação: Até o dia 6 de abril de 2022, a postagem teve 7,7 mil interações no Twitter.
Outras checagens sobre o tema: Em reportagens publicadas recentemente, o Comprova mostrou que é falso que o Brasil tenha sido escolhido pela OMS como um dos três países que melhor atuaram no combate à pandemia. O projeto também já verificou que um texto no Telegram espalha teoria conspiratória sobre tratado internacional da OMS e que vacinas de mRNA não são terapia genética e não causam covid-19.