O aumento nas hospitalizações por covid-19 gerado pela Ômicron ao longo de janeiro impõe a profissionais da saúde nova carga de trabalho e um déjà vu: cansaço, moral baixa, frustração e ânsia para que esta nova onda acabe o quanto antes.
Se leitos para pacientes com coronavírus haviam sido desfeitos, o movimento é gradualmente revertido, uma vez que o Sars-Cov-2 novamente gera casos graves, ainda que em proporção menor ao número de infectados.
Na sexta-feira (28), havia 1.287 internados em clínicos no Rio Grande do Sul - um mês atrás, eram 150. Em UTIs, são 470, contra 162 há exatamente um mês. Mas, diferentemente de outros momentos, há uma diferença neste novo pico: a exigência de atender a pacientes que ignoraram a ciência ao não se vacinar e, agora, recorrem à ajuda da ciência no último momento possível: em hospitais.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, já afirmou que não vacinados são os responsáveis pela nova onda em hospitais brasileiros. Em Porto Alegre, análise da prefeitura mostrou que o risco de internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é 16 vezes maior entre não vacinados.
Não há dados nacionais ou estaduais de proporção de não vacinados entre hospitalizados por dificuldades de registro no sistema internações do Ministério da Saúde.
Até sexta-feira, 19% dos gaúchos não tomaram a primeira dose, 27% não compareceram à segunda e 76,5% não receberam o reforço. Em Porto Alegre, a proporção é semelhante. Essa parcela de indivíduos com vacinas atrasadas é que ocupa hospitais, junto com, em menor proporção, vacinados com doenças graves.
A crescente demanda obrigou os hospitais de Clínicas de Porto Alegre e o Presidente Vargas a reduzirem cirurgias eletivas para atender pacientes com covid-19.
No Hospital Ernesto Dornelles, as UTIs estão com 125% de ocupação, e 90% dos internados por covid-19 estão com calendário vacinal incompleto, diz a médica pneumologista Juliana Fernandes, gestora de fluxos assistenciais de internação:
— Ficamos decepcionados quando todo o trabalho (de conscientização) feito não acontece, e uma pessoa interna porque, por escolha própria, não se vacinou. Percebemos o desespero dos pacientes e um desejo de melhorar. Procuramos não julgar porque o julgamento é a pior ferramenta, e estamos aqui para ajudar as pessoas. Mas ficamos decepcionados. É um sentimento de frustração — diz.
A palavra "frustrante" é usada também pela diretora-presidente do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Nadine Clausell, onde 86% das UTIs estão ocupadas. Ela diz que profissionais estão cansados e com moral baixa: férias são canceladas, adaptações hospitalares são aplicadas e atendimentos crescem quando se imaginava que a rotina estaria normalizada.
— É muito frustrante. Tento abstrair, senão é muito difícil vir para cá todo dia. Temos que seguir fazendo nosso trabalho, conversando com pessoas e famílias, passando a mensagem de que a ciência está aí para guiar em meio às trevas. Não podemos ficar bravos porque uma pessoa não consegue compreender seu papel na sociedade de se vacinar no meio de uma pandemia tão letal. Eu sou médica, estou aqui para tratar as pessoas, independentemente de qualquer credo, se ela pensa assim ou assado. Tenho uma pessoa na minha frente, doente e sem vacina, então vou tratar igual e fazer o que puder para ela sobreviver. Depois, ela que reflita o que fará — afirma a diretora-presidente do Hospital de Clínicas.
Na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, onde 90% das UTIs estão em uso, a maior parte dos internados está com calendário atrasado ou se vacinou, mas tem problemas de saúde, como imunossupressão ou doenças cardiovasculares severas, segundo Antonio Nocchi Kalil, diretor médico e de ensino e pesquisa da instituição. A covid-19 também afasta funcionários: 400 estão em licença-médica, entre 8 mil trabalhadores.
— A gente sempre insistiu na questão de máscara, distanciamento e a vacina. Quando vemos uma pessoa que não se vacina com quadro sério de saúde, é decepcionante, a gente se coloca no lugar dela e da família — diz Kalil.
O médico relembra o caso de um homem com cerca de 70 anos de idade, do Interior, que decidiu não se vacinar e internou por covid-19. O paciente piorou rapidamente, teve um evento tromboembólico (problema de circulação) e morreu. A família questionou em meio ao luto: ele teria sobrevivido se estivesse vacinado?
— Fica uma situação bem difícil de a gente discutir. Mas é claro que a chance dele seria maior com a vacina. Ele não vacinou porque não quis, mas a família queria, todos estavam vacinados, exceto o paciente — recorda o diretor da Santa Casa.
A médica pneumologista Juliana Fernandes, do Hospital Ernesto Dornelles, cita que muitos pacientes se arrependem de não terem se vacinado, mas há quem ainda siga convicto e acredite que a vacina não teria feito diferença:
— As pessoas ainda se baseiam por fake news ou fontes não confiáveis. Sem dúvida, se não tivesse vacinas, o número de pacientes graves seria maior. O que me chamou a atenção foi um senhor de 102 anos vacinado que ficou sob internação por sete dias, mas não fez forma grave da doença e ficou muito bem. Mesmo com 102 anos de idade, a vacina protegeu. As vacinas funcionam — conclui.