O Brasil corre o risco de começar o ano de 2022 com duas epidemias simultâneas, a de covid-19 e a de gripe (influenza A), alertam especialistas ouvidos pela reportagem. A epidemia de gripe que assola o Rio de Janeiro pode se alastrar para outras capitais e grandes centros urbanos, juntamente com novos casos de infecção pelo sars-cov-2 — o coronavírus. Estes apresentam tendência de alta no longo prazo, revelou o último Boletim InfoGripe da Fiocruz, da quinta-feira (9).
Alguns fatores podem explicar o cenário de disseminação da gripe. Infectologistas apontam como causas do alastramento da doença o relaxamento das medidas restritivas contra o coronavírus (que também reduziram a circulação de outros vírus respiratórios, como o da gripe), a baixa cobertura vacinal contra a influenza e o grande número de pessoas vulneráveis ao vírus. A imunização contra a gripe só foi retomada no Rio na sexta-feira (10), após ficar quase uma semana interrompida.
— Em função da grande circulação diária de passageiros entre os principais centros urbanos do país, especialmente a partir de Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, doenças infecciosas e, particularmente, vírus respiratórios têm uma facilidade muito grande de pular de um local para outro rapidamente — afirmou o pesquisador Marcelo Gomes, coordenador do Boletim InfoGripe.
Especialistas explicam que, ao longo de 2020, o sars-cov-2 dominou o cenário. Praticamente, não foram registrados casos de gripe no ano retrasado. A partir do segundo semestre de 2021, no entanto, com o avanço da vacinação contra a covid, outros vírus respiratórios começaram a reaparecer. Foi o que ocorreu com o sincicial, o bocavírus e, finalmente, o influenza no mês passado.
No Rio, o vírus da gripe se espalhou rapidamente. Nas últimas três semanas foram registrados 23 mil casos na cidade, segundo a Secretaria Municipal de Saúde.
Normalmente, a gripe aparece entre os meses de abril e julho, na passagem do outono para o inverno. Na época mais fria do ano, as pessoas tendem a ficar mais próximas umas das outras e em ambientes fechados. Essas atitudes facilitam a transmissão dos vírus respiratórios. Uma epidemia de gripe às vésperas do início do verão é totalmente atípica.
— O sars-cov-2 deslocou a sazonalidade de todos os vírus respiratórios, um fenômeno muito intrigante, então ninguém foi exposto — afirmou o infectologista Márcio Nehab, do Instituto Fernandes Figueira e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia. — Além disso, de 2015 para cá, tivemos uma queda muito significativa dos níveis de cobertura vacinal, o que foi ainda mais agravado com a pandemia.
Pesquisadores acreditam que o H3N2 (vírus da gripe) em circulação no Brasil veio do Hemisfério Norte, que está perto do inverno. Ao chegar, encontrou baixa cobertura vacinal e o relaxamento das medidas de prevenção. Com maior controle da covid-19 nos últimos meses, houve queda no uso de máscaras e aumento de circulação de pessoas e aglomerações. Tudo isso facilitou a disseminação da gripe, com características epidêmicas.
Outro fator que favoreceu o avanço da gripe foi o baixo índice de imunização atingido pela campanha de vacinação deste ano. Segundo o Ministério da Saúde, menos de 80% do público-alvo (crianças, idosos e grávidas) tomou a vacina. O ideal seria que superasse 90%. No Rio, a situação foi pior. O indicador ficou abaixo de 60% dos vacináveis. Como na covid-19, a vacinação antigripal é crucial para prevenir casos graves e complicações que levam a internações.
Para ampliar a capacidade de atendimento no Rio, a Secretaria Municipal abriu três polos de atendimento exclusivamente para gripe — mas com direito a testagem para covid-19. Além disso, estão sendo montadas tendas ao lado das unidades de pronto atendimento (UPAs) para tratar dos infectados. A vacinação, que havia sido suspensa por falta de doses, foi retomada na última sexta-feira.
— Não adianta esperar a epidemia chegar ao seu Estado para só então reforçar a campanha de vacinação contra a gripe e os cuidados necessários — afirmou Gomes, se referindo ao restante do país. — Ainda mais nesse período do ano em que temos muitas aglomerações em centros comerciais, mercados públicos e festas.
Embora a gripe seja menos agressiva que a covid-19, ela é considerada uma doença grave, relacionada a uma alta taxa de hospitalizações e mortes. Os casos graves de covid, que chegam aos hospitais, têm uma mortalidade de 25%, contra 12% e 15% nos casos graves de influenza. Segundo a OMS, cerca de 650 mil pessoas morrem por ano no mundo vítimas de complicações relacionadas ao vírus da gripe.
— A gripe é menos letal do que a covid-19, felizmente, mas está longe de ter uma mortalidade baixa — frisou Gomes. — É importante mantermos o trabalho de conscientização, sobretudo com as festas de fim de ano, para evitar um cenário de entrarmos o novo ano com duas epidemias simultâneas.