A decisão do Ministério da Saúde de orientar, na noite de quarta-feira (15), a suspensão da vacinação de adolescentes sem comorbidades no Brasil prejudica o controle da pandemia, pode favorecer o surgimento de variantes e adiar a liberação do uso de máscaras, alertam quatro especialistas da área de epidemiologia e pediatria ouvidos por GZH.
Já na quinta-feira (17), analistas criticaram a decisão federal porque estudos e a experiência em vida real de outros países mostram que vacina da Pfizer é segura para adolescentes. A mudança do Ministério da Saúde dividiu gestores: alguns ignoraram o governo federal, como Porto Alegre, que seguiu aplicando as doses em adolescentes nesta sexta-feira (17), e outros acataram e suspenderam a aplicação, como Campo Bom e Estância Velha.
Decisões díspares Brasil afora geram bolsões de avanço e de estagnação na campanha, o que dificulta a conquista, em todo o território nacional, da imunidade coletiva, um cenário no qual há tantas pessoas vacinadas que um cordão de proteção natural é formado entre indivíduos, o que barra o avanço da covid-19.
Antigamente, projetava-se que isso ocorreria após aplicar a segunda dose em 70% de todos os habitantes. Mas, com a variante Delta, altamente transmissível, estima-se que seja necessário vacinar com duas doses entre 85% e 90% da população, o que envolve necessariamente incluir adolescentes sem comorbidades na campanha.
— O cálculo da imunidade coletiva envolve transmissibilidade. Como a Delta aumenta bastante a transmissibilidade, a gente estima que precise vacinar mais pessoas, entre 85% e 90% de toda a população. A segunda questão é que, com o avanço da vacinação, o risco aumenta para quem não está vacinado. Então o risco de adolescentes hoje é maior do que antes, porque sobrou pouca gente para o vírus pegar — explica a médica epidemiologista Lucia Pellanda, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e integrante do Comitê Científico do Palácio Piratini.
Hoje, o Rio Grande do Sul tem 836.435 mil adolescentes de 12 a 17 anos, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas apenas 91.451 já se vacinaram, o que inclui jovens com e sem doenças prévias, de acordo com estatísticas da Secretaria de Estado da Saúde (SES-RS).
Se o Estado ignorar a orientação federal e vacinar todos os adolescentes gaúchos, além de adultos, o Rio Grande do Sul atingiria cerca de 85% de toda a população imunizada, patamar estimado para a imunidade coletiva.
Mas, se a aplicação em adolescentes sem comorbidades não for mantida, a cobertura chegaria no máximo a quase 80% de imunizados. Até esta sexta-feira (17), 72,2% dos gaúchos receberam uma dose e 43,6% receberam duas.
Em termos práticos, não vacinar adolescentes está associado a manter níveis mais altos de circulação viral, o que dificulta o controle da epidemia, observa o epidemiologista Ricardo Kuchenbecker, médico no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Incluir adolescentes, portanto, permite maiores flexibilizações em atividades.
— Qualquer estimativa de retirar as máscaras exige que adolescentes sejam vacinados. A vacinação tinha que ser o mais rápido possível para impedir a emergência de variantes — destaca Kuchenbecker.
A médica pediatra Tânia Petraglia, integrante do departamento científico de imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), lembra também que a vacinação de adolescentes ajuda a reduzir riscos na volta às aulas presenciais.
— O retorno escolar, independentemente da vacinação, tem que acontecer dentro dos cuidados necessários. Agora, obviamente, se você vacina o adolescente, isso melhora as medidas de controle da doença. Se a cepa encontra pessoas vacinadas, elas podem adquirir a infecção com proteção para as formas moderadas a grave. Mas se a cepa encontra uma faixa etária vulnerável sem vacinação, ela circula mais nessa faixa etária — diz a pediatra.
A epidemiologista Ligia Kerr, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e integrante da Câmara Técnica do Plano Nacional de Imunizações (PNI), acredita que a decisão do governo federal tenha sido tomada pelo receio de faltarem vacinas a adolescentes, idosos e adultos.
— O Ministério da Saúde se equivoca. Quem se vacinou precisa ter a segunda dose. Ninguém começa algo e depois para no meio. O Ministério da Saúde joga em cima das reações adversas, o que não justifica. O motivo real é a falta de vacinas. O Ministério esconde é que deveria haver um calendário de prioridade e que não temos vacinas para todos — diz a epidemiologista.