Ao menos 26 mil doses vencidas da vacina contra a covid-19 da AstraZeneca/Oxford foram aplicadas no Brasil até 19 de junho, segundo reportagem publicada nesta sexta-feira (2) pelo jornal Folha de S. Paulo. São vacinas distribuídas pelo Ministério da Saúde dentro da validade e usadas depois que o prazo expirou em 1.532 municípios, inclusive em cidades do Rio Grande do Sul, onde essas aplicações estão sendo checadas pela Secretaria Estadual da Saúde (SES).
De acordo com a reportagem, foram oito lotes de AstraZeneca entregues aos Estados dentro da validade, de janeiro a março deste ano, totalizando 3,9 milhões de doses. Dessas, 3,76 milhões foram usadas regularmente, dentro do prazo. Já 139.911 estavam vencidas, sendo que pelo menos 25.935 desse montante foi aplicado no país. As outras 113.976 doses vencidas desses oito lotes não haviam sido ministradas até 19 de junho.
O levantamento da Folha cruzou dados do DataSUS, sistema de informações do Ministério da Saúde, e da Sala de Apoio à Gestão Estratégica (Sage), outra plataforma do governo federal.
A maioria das doses vencidas e aplicadas da AstraZeneca, cerca de 70%, segundo a Folha, é do lote de número de 4120Z005, cujo vencimento ocorreu em 14 de abril. Também há unidades vencidas nos lotes de número 4120Z001, com vencimento em 29 de março; 4120Z004, com prazo até 13 de abril; CTMAV501, vencido em 30 de abril; CTMAV505, em 31 de maio; CTMAV506, em 31 de maio; CTMAV520, em 31 de maio, e 4120Z025, em 4 de junho.
O número do lote pode ser conferido na carteira de vacinação. A pessoa que tiver tomado uma dose vencida de um desses oito lotes de AstraZeneca deve procurar uma unidade de saúde para registrar o caso. De acordo com o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra Covid-19, é necessário ser novamente imunizado pelo menos 28 dias após ter recebido a dose vencida.
O Ministério da Saúde informou, por meio de nota, que nenhuma dose de vacina é entregue vencida aos Estados, e que acompanha com rigor todos os prazos de validade dos imunizantes recebidos e distribuídos pela pasta. Também disse que "cabe aos gestores locais do SUS o armazenamento correto, acompanhamento da validade dos frascos e aplicação das doses, seguindo à risca as orientações do ministério".
Situação no Rio Grande do Sul
De acordo com a Folha, pelo menos 804 doses de AstraZeneca fora do prazo de validade foram aplicadas no Rio Grande do Sul. A cidade com mais registros dessa irregularidade é Santo Ângelo, nas Missões, onde foram aplicadas 260 doses vencidas. Em Porto Alegre, 86 doses teriam sido administradas irregularmente, fora do prazo de validade, em diferentes pontos de vacinação.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou que recebeu, em 25 de janeiro, um dos lotes de número 4120Z005, o com maior quantidade de doses vencidas e cujo prazo expirava em 14 de abril. De acordo com a pasta, os frascos foram distribuídos dentro da validade para serem aplicados em profissionais de saúde, a maioria vinculada a hospitais da Capital.
Questionada, a Secretaria Estadual da Saúde (SES) informou que o governo do Estado está fazendo conferência dos imunizantes que podem ter sido aplicados com prazo de validade expirado. Em nota, a SES diz que, para "tranquilizar a população gaúcha", há planos de contingência e segurança previstos caso seja identificada qualquer insegurança em relação a essas doses.
Sobre o prazo de validade estipulado para as vacinas contra a covid-19, a SES acrescentou que "o tempo foi estabelecido em um momento em que não existia conhecimento científico para prazos mais longos, e esses dados estão sendo constantemente atualizados, a exemplo do que aconteceu com a vacina da Janssen".
O imunizante produzido pelo laboratório da Johnson & Johnson teve seu prazo de validade estendido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) quando os Estados Unidos doaram doses ao Brasil que estavam perto do vencimento. Diante do curto período para aplicação, o prazo de validade da Janssen passou de três para quatro meses e meio. Ao tomarem a decisão, os diretores da Anvisa argumentaram que o imunizante se mantém estável mesmo durante tempo prolongado.
Perde ou não o efeito?
Responsável por conduzir o estudo da vacina da AstraZeneca no Rio Grande do Sul, o médico infectologista Eduardo Sprinz, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, diz que qualquer imunizante, se bem armazenado, pode ser usado para além do prazo de validade, como aconteceu com a vacina da Janssen.
No caso de a SES comprovar que foram administradas doses vencidas no Estado, resta saber se elas foram, de fato, mantidas em boas condições.
— Nós sabemos que vacina bem armazenada tem um tempo maior de validade do que está escrito no frasco. Agora, a gente não sabe, de uma forma geral, se a vacina da AstraZeneca foi bem armazenada — reforça ele.
No entanto, qualquer medicamento mal armazenado pode gerar substâncias nocivas ao organismo. Segundo Sprinz, a vacina da AstraZeneca, em princípio, não faz mal quando fica velha. O que preocupa é justamente a eficácia.
— Felizmente, os compostos da AstraZeneca, se envelhecerem, não fazem mal. Só que a vacina perde o efeito — diz ele.