Enquanto Israel pisa no acelerador para vacinar sua população contra a covid-19 - tendo já imunizado 14% do total -, países da Europa Central, da América do Norte e do Sul enfrentam problemas de logística e importação dos imunizantes, levando a atrasos no cumprimento da meta. Mesmo no Reino Unido e nos Estados Unidos, nações que foram as primeiras a iniciar a vacinação, em dezembro, os processos são lentos.
Os americanos, por exemplo, não conseguiram alcançar a meta estabelecida de imunizar 20 milhões de pessoas no mês passado. Até agora, receberam a primeira dose apenas 2,8 milhões de pessoas. A meta até o final de janeiro é distribuir 300 milhões. Na Europa, apenas uma pequena parte de certos grupos – como os profissionais de saúde – recebeu a vacina até o momento. Veja os principais problemas enfrentados pelos países onde as campanhas já começaram.
Estados Unidos
O líder de logística da Operação Warp Speed, o general Gustave Perna, apontou o recesso do fim do ano como um dos fatores que levaram ao atraso. Além disso, hospitais e outros centros de aplicação ainda estão aprendendo a armazenar as vacinas em temperaturas muito baixas e aplicá-las da maneira correta. Governadores reclamam de falta de financiamento federal para distribuição de vacinas, o que os impediu de contratar a equipe necessária. Cada Estado decide como cadastrar e priorizar seus habitantes, como preparar os centros de imunização e como arregimentar os profissionais necessários. Alguns hospitais a oferecem a médicos e outros grupos prioritários por ordem alfabética, e outros utilizam sistemas mais complexos. Também há Estados, como Maryland, onde o conselho de medicina local advertiu que os departamentos de saúde "ainda não anunciaram um calendário ou detalhes" do processo de vacinação.
Especialistas em saúde pública afirmam que as autoridades federais deixaram muitos dos detalhes do estágio final do processo de distribuição da vacina, como programação e pessoal, para funcionários de saúde e hospitais locais sobrecarregados.
Na Flórida, menos de um quarto das vacinas contra a covid-19 distribuídas foram usadas, mesmo com os idosos sentados em cadeiras a noite toda esperando pela imunização. Na Califórnia, os médicos estão preocupados se haverá funcionários de hospital em número suficiente para administrar vacinas e cuidar do número crescente de pacientes com covid-19. As autoridades esperam que o ritmo de aplicação aumente quando as farmácias CVS e Walgreens começarem a aplicar as doses.
Reino Unido
A AstraZeneca já planeja aumentar a velocidade de produção da sua vacina, de 1 milhão de doses para 2 milhões por semana, até o final de janeiro. O governo britânico, que aprovou seu uso no último dia 30, fez uma encomenda inicial de 100 milhões de doses. Mas as autoridades de saúde do Reino Unido já afirmaram que a capacidade de fornecimento dos fabricantes é um fator limitante para o programa de vacinação em geral, e a escassez de vacinas contra a covid-19 continuará a ser um problema por vários meses. Autoridades de saúde já mudaram sua estratégia e priorizaram dar a primeira injeção ao dobro do número de pessoas. A segunda dose, antes prevista para 28 dias depois da primeira, agora deverá ser dada quatro meses depois. Eles se baseiam em dados recém-publicados pelo Comitê Conjunto de Vacinação e Imunização do Reino Unido, que afirma que a primeira dose garante "proteção substancial, em particular para covid-19 grave, dentro de duas a três semanas de vacinação".
De acordo com os responsáveis pelo programa britânico de imunização, a segunda dose é mais importante para a duração da proteção que para sua eficácia, e garante um aumento apenas marginal das defesas.
União Europeia
O fundador da BioNTech, Ugur Sahin, criticou em entrevista à Der Spiegel a lentidão da Comissão Europeia e sua confiança de que todas as vacinas estariam disponíveis ao mesmo tempo. Ele disse que a corrida entre a Europa e os EUA agora está criando um "gargalo" na produção.
A estratégia de Bruxelas foi selar acordos com seis das empresas cujos ensaios estavam mais avançados, para que todos os membros do bloco econômico tivessem a vacina ao mesmo tempo. No total, a União Europeia assegurou 1,3 bilhão de doses, mas o problema é que nem todas as empresas estão no mesmo ritmo de aprovação perante a agência reguladora ou em produção de seus produtos. A Johnson & Johnson prevê que sua vacina esteja disponível em março, enquanto a Sanofi-GSK anunciou que seu imunizante vai demorar. Uma terceira, a CureVac, só deve ter desenvolvido a sua em junho.
A comissária (ministra europeia) da Saúde, Stella Kyriakides, afirmou que o gargalo se deve à falta mundial de "capacidade de produção". Ainda que os fabricantes se preparem para atender à demanda, a certeza sobre o tamanho das encomendas é fundamental para dimensionar investimentos necessários na produção.
A perspectiva de uma imunização muito mais lenta do que a prevista tem levado cientistas e políticos a discutir outra estratégia: adiar a segunda dose para vacinar, com ao menos uma, a maior parte possível da população. Na UE, a ideia é defendida pelo epidemiologista e membro da força-tarefa de vacinação belga Pierre Van Damme. Em entrevista a uma emissora de TV, ele sugeriu que, em vez de aplicar a segunda dose depois de três semanas, como previsto, isso seja feito apenas depois de três meses. O objetivo é atingir o mais rapidamente possível os 70% da população imunizada, a chamada imunidade de rebanho, que controlaria a transmissão do coronavírus.
Alemanha
O país vive um mal-estar: aplicou apenas 78 mil doses em uma semana. Alguns Estados reclamam não ter recebido os lotes prometidos pelo governo federal. Outros tiveram que fechar temporariamente os centros de vacinação dias após o lançamento da campanha, em 27 de dezembro. O ministro da Saúde alemão, Jens Spahn, pediu paciência, garantindo que a situação vai melhorar à medida que a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) aprove as vacinas que estão nas últimas fases, em especial a de Oxford-AstraZeneca, que foi autorizada no Reino Unido.
O país é sede da BioNTech. Ozlem Tureci, cofundadora e diretora médica da empresa, disse que estão sendo feitos acordos com cinco fabricantes europeus para aumentar a produção, e negocia com outros. A BioNTech tenta acelerar a inauguração de uma nova fábrica na Alemanha para produzir 250 milhões de doses ainda no primeiro semestre de 2021, mas afirma que só no final deste mês poderá estimar com mais precisão sua capacidade de entrega de imunizantes.
França
O país recebeu 560 mil doses da vacina da Pfizer desde o final de dezembro, mas enfrenta problema de logística para distribuição devido às dificuldades de armazenamento do produto a -70ºC. O presidente Emmanuel Macron prometeu que não haveria mais demoras "injustificadas" após a última semana, em que apenas 322 pessoas foram vacinadas. O governo da França enfrenta a oposição de um potente coletivo antivacina. Outra das razões para o atraso é que o processo de vacinação é composto por várias etapas. Antes de poder se vacinar, os franceses enfrentam uma primeira seleção para averiguação se podem apresentar possíveis contraindicações e dar seu consentimento.
Espanha
No país, o problema também não é de abastecimento, mas logístico. A Catalunha só aplicou 10% das doses previstas. Na Comunidade de Madri, foram administradas apenas 6%.
A vacinação começou em ritmos diferentes em cada comunidade autônoma (equivalente a Estado). Madri conseguiu administrar apenas 6% das doses recebidas, Cantabria, 5,2%. Em outras, como Asturias, vacinaram bem mais: 80%. Na Catalunha, a campanha começou tarde devido à falta de superfreezers para armazenar o produto da Pfizer/BioNtech. O governo admite também que não conseguiu organizar a tempo equipes de enfermeiros e técnicos em enfermagem para aplicação de vacinas.
México
O país tem acordos de intenção de compra de 198 milhões de vacina, mas recebeu até agora apenas 250 mil doses da Pfizer/BioNtech. O objetivo inicial era imunizar 2,6 milhões de pessoas entre dezembro e janeiro, mas o fluxo levará mais tempo. O produto, distribuído pelas forças armadas, tem chegado primeiramente a duas regiões, Cidade do México e o Estado de Coahuila, no Norte.
Argentina
O país vizinho se destacou na América Latina ao iniciar a imunização de sua população no final de 2020 com a vacina russa Sputnik V, mas enfrenta problemas de importação. O governo enviou um avião fretado da Aerolíneas Argentinas para trazer as primeiras 300 mil doses, que incluem apenas a primeira imunização que cada pessoa deve receber. A vacina russa tem processo diferente das outras competidoras. Enquanto as demais são duas injeções do mesmo produto, a vacina russa exige a aplicação de doses produzidas com diferentes vírus inativos. A fabricação dos lotes com essa segunda dose está atrasada.
Rússia
O envio de doses de sua vacina Sputnik V para a Argentina gerou críticas internas na Rússia, onde o produto não está disponível para o público em geral. A imunização, por enquanto, está muito concentrada na região da capital, Moscou. No resto do país, sofre atrasos. Embora não informe exatamente quantas pessoas receberam a primeira dose, o Instituto Gamaleya, que fabrica a Sputnik V, informou que liberou 650 mil doses até agora para o programa nacional de vacinação russo.