Das 27 unidades federativas, o Rio Grande do Sul foi a que mais recebeu comprimidos de cloroquina enviados pelo Ministério da Saúde: de março até agora, foram 607 mil cápsulas para abastecer o Sistema Único de Saúde (SUS) - destas, 133 mil foram enviadas diretamente aos municípios. Ao longo da pandemia, o governo federal distribuiu, em todo o país, 5,8 milhões de comprimidos. O remédio não tem eficácia comprovada no combate ao coronavírus em estudos de qualidade.
A Secretaria Estadual da Saúde (SES) confirmou, em nota, a quantidade de cápsulas de cloroquina, recebida em três remessas. Na leva mais recente, 323,5 mil comprimidos foram distribuídos a 159 municípios gaúchos, após demanda das prefeituras.
O governo estadual seguiu orientação do Ministério da Saúde e consultou municípios sobre o interesse na medicação – o envio às cidades, portanto, ocorreu conforme os pedidos. Na prática, o Piratini atuou como intermediador entre prefeituras e governo federal.
A SES destaca que não usou dinheiro do governo do Estado para comprar o medicamento, que algumas remessas foram diretamente para as prefeituras e que não há estoque em seu poder.
Na prática, circulam em hospitais públicos, postos de saúde e unidades de pronto atendimento gaúchos muito mais do que 607 mil comprimidos de cloroquina, uma vez que o Estado não tem controle sobre compras feitas pelos municípios por conta própria. Há, ainda, o uso da medicação na rede privada, em hospitais particulares ou à venda em farmácias.
GZH mostrou que diversas prefeituras gaúchas vêm comprando cloroquina para oferecer à população, para quem desejar e caso o médico receite. Cachoeirinha, Campo Bom, Gravataí e Parobé são alguns exemplos. Mas a letalidade do coronavírus em cidades gaúchas trabalhando com o kit-covid, que inclui cloroquina, é a mesma de municípios que não promovem o uso da droga como política pública.
Em e-mail enviado à reportagem, a SES destacou documento de 8 de junho no qual o Comitê Científico do Gabinete de Crise não recomenda o uso da cloroquina para tratar o novo coronavírus “devido à falta de evidências científicas que sustentem as indicações previstas até o presente momento”. Contudo, segue regra do Ministério da Saúde e do Conselho Federal de Medicina (CFM) segundo a qual é preciso respeitar a liberdade do médico em fazer uma prescrição e a do paciente em aceitá-la.
O governador Eduardo Leite já declarou publicamente que o uso de cloroquina depende da relação entre médico e paciente, mas nunca promoveu o uso da droga. Quando ele e a secretária Estadual da Saúde, Arita Bergmann, tiveram covid-19, nenhum dos dois usou cloroquina.
O Ministério da Saúde informou a GZH que os 607 mil comprimidos enviados ao Rio Grande do Sul envolvem produção da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ao custo de pouco mais de R$ 4,2 mil no total à pasta, assim como a produção do laboratório do Exército, que não trouxe gasto ao Ministério da Saúde, sendo “forma de auxiliar a pasta (Saúde) no enfrentamento da pandemia”.
Incentivo federal
Desde o início da pandemia, é o governo federal que vem incentivando ativamente o uso da cloroquina como tratamento contra o coronavírus, por meio da fabricação, compra e distribuição aos Estados. GZH mostrou em julho que a demanda movimenta um mercado de laboratórios privados de R$ 9,7 milhões por mês.
Para produzir a baixo custo, as Forças Armadas ampliaram em 80 vezes a fabricação do medicamento em seus laboratórios químicos. O Brasil também recebeu doação de 2 milhões de cápsulas do medicamento por parte do governo dos Estados Unidos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) interrompeu, em junho, testes com cloroquina após uma revisão de estudos mostrar que não há eficácia da medicação. No mês seguinte, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) orientou que médicos não usem o remédio em qualquer fase da doença. Ainda há um estudo de uma coalizão de 55 hospitais brasileiros que concluiu que a cloroquina não funciona para casos leves e moderados.
Ainda assim, o governo federal vem pautando o combate à pandemia pelo uso da cloroquina – apesar de não haver comprovação científica, o presidente Jair Bolsonaro promove o medicamento e já declarou que “pior do que ser derrotado é a vergonha de não ter lutado”.
Os ex-ministros Luís Henrique Mandetta e Nelson Teich deixaram a pasta da Saúde por discordarem da oferta da droga – até então, o uso era restrito a casos graves de coronavírus. Em junho, já na gestão do general Eduardo Pazuello, a pasta autorizou o uso da cloroquina e expandiu também para casos leves e em crianças, grávidas e adolescentes.
Em coletiva online, no início da noite desta quinta-feira (01), o Ministério da Saúde divulgou que 24 milhões de unidades de medicamentos foram encaminhadas aos Estados. Além da cloroquina, o governo federal distribuiu 276 mil unidades de hidroxicloroquina, e 17,9 milhões de unidades de oseltamivir (tamiflu).
Em nota, o Ministério da Saúde informou que a ação para estimular a população a usar cloroquina de forma precoce contra a covid-19 "está sendo planejada e não tem data de lançamento definida". Inicialmente prevista para o próximo dia 3, a ação da campanha #NãoEspere deverá ter a data divulgada nos próximos dias. Segundo o Ministério, o objetivo "é incentivar a prevenção, estimulando os brasileiros a buscar atendimento médico logo nos primeiros sintomas".
Sete Estados que mais receberam cloroquina do Ministério da Saúde
- Rio Grande do Sul: 607 mil comprimidos
- Pará: 539 mil
- São Paulo: 536 mil
- Roraima: 425,5 mil
- Minas Gerais: 407,5 mil
- Amazonas: 381 mil
- Ceará: 352 mil
Cidades gaúchas que mais receberam unidades de cloroquina
- Caxias do Sul: 50.000 comprimidos
- Passo Fundo: 50.000 comprimidos
- São Borja: 25.000 comprimidos
- Novo Hamburgo: 23.500 comprimidos
- Sapiranga: 12.500 comprimidos