Paverama, pequeno município do Vale do Taquari, está em choque. Três idosos foram vitimados pelo coronavírus em menos de 24 horas, no sábado (30). Dois deles eram mãe e filha: Zelina dos Reis, 93 anos, e Nair Medeiros, 76. Foram as primeiras vítimas da pandemia nessa localidade.
Hospitalizadas em locais distintos, Zelina e sua filha morreram com 40 minutos de diferença. Nair, a primeira a manifestar sintomas da doença, estava na unidade de tratamento intensivo (UTI) do Hospital Universitário de Canoas, na Região Metropolitana, há 20 dias.
Já Zelina, carinhosamente chamada pelos familiares de “bisa”, estava há menos de uma semana internada no Hospital Ouro Branco, em Teutônia, em um quarto normal, mas com respirador. O que chamou a atenção dos familiares é que as duas faleceram quase no mesmo horário.
— Até faz sentido, uma não vivia sem a outra. Moravam juntas, faziam as refeições juntas, tudo juntas — descreve a dona de casa Evanir Medeiros, nora de Nair.
Nair, que morava com a mãe numa casa ao lado da residência de Evanir, era caseira e bem-humorada. Assistia pouco a TV, ouvia pouco rádio, mas era religiosa. E benzedeira, relata a nora. Quando não estava em preces pela cura alheia, gostava de brincar com os netos e se dedicava muito à mãe, que já necessitava de cuidados.
Nair tinha diabetes, colesterol alto, hipertensão e alguns problemas de coração, mas não dispensava um churrasco no fim de semana. Por conta das doenças crônicas, até respeitou a quarentena no primeiro mês, mas quando as restrições à mobilidade começaram a ser aliviadas no Vale do Taquari, ela voltou a receber pessoas em casa.
— Vinha gente de várias cidades, de Mato Leitão, de Venâncio Aires, de Teutônia. Buscavam a dona Nair para cura de alguma coisa. E ela atendia. A gente acredita que isso trouxe o coronavírus até ela. As pessoas de quem consegui nome e endereço, avisei o posto de saúde — diz Evanir.
Já a “bisa” Zelina não tinha qualquer doença aparente. Andava meio desmemoriada, diz Evanir, mas comia de tudo, dentro dos horários. Caminhava, não estava acamada.
A primeira a manifestar sintomas de coronavírus foi Nair. Teve falta de apetite, dores de estômago e pelo corpo e diarreia. Achou que era virose. O teste para coronavírus, feito no Hospital Ouro Branco, de Teutônia, deu resultado positivo e ela foi hospitalizada. Em dois dias o quadro se agravou e teve de ser removida para uma UTI em Canoas. Nunca mais saiu do hospital, nem viu os familiares, que recebiam boletins diários sobre o estado de saúde dela.
Enquanto a mãe e a avó estavam doentes, o marido de Evanir, Volnei André, também manifestou sintomas da doença e foi hospitalizado. Agora ele melhorou, mas está em isolamento domiciliar, junto com os quatro filhos e longe da esposa.
— Eu não manifestei sintomas, acho que tive o coronavírus sem ficar doente. Já ele, acostumado a trabalhar na chuva e no sol, ficou sem força até mesmo pra caminhar.
Evanir chora ao recordar da sogra e da “bisa”. Enfatiza que “isso não é uma gripezinha” e lamenta que o marido teve que sair direto do hospital para o sepultamento da mãe e da avó. A despedida foi com caixão fechado, sem velório, com familiares à distância.
— Diziam que essa coisa de cuidado era recomendação de político, que bastava ter fé para não contrair o vírus. Agora tá aí, perdemos duas pessoas na família. Não pude abraçar meu marido até agora. Será que as pessoas vão entender que não pode se aglomerar? Ou vão achar que é bobagem, como tem político dizendo? — desabafa Evanir.
Zelina foi casada com José da Rosa (já falecido) e deixou quatro filhos, cinco netos e oito bisnetos. Nair deixou cinco filhos, oito netos e um bisneto.
No mesmo dia da morte de Nair e Zelina, Paverama contabilizou outra vítima por coronavírus. Morreu Verno Reckziegel, 87 anos, que estava internado no Hospital Ouro Branco, de Teutônia, há seis dias. Familiares dizem que de uma hora para a outra o quadro de gripe dele se agravou e a morte foi rápida, “traiçoeira”.
No total, foram seis mortes por covid-19 no Vale do Taquari no fim de semana. Além dos três de Paverama, outros três de Lajeado. A secretária de Saúde de Paverama, Marilene Pacheco, salienta que o município tem 20% da população formada por idosos, o que causa preocupação.
— Às vezes, eles parecem que não estão tão preocupados, mesmo fazendo parte do grupo de risco. Acham que, por estarem isolados em casa, não podem pegar a doença. Mas são mais sensíveis, e o vírus é mortal — resume ela.