Enquanto pipocam iniciativas europeias e asiáticas na cura contra o coronavírus, os Estados Unidos também caminham a passos firmes na batalha contra a pandemia. Pesquisadores da Universidade de Rockefeller, de Nova York, conseguiram isolar o material terapêutico de pacientes que tiveram covid-19 e buscam criar a cura para a doença a partir dos anticorpos destas pessoas. Em entrevista ao jornal O Globo, o brasileiro Michel Nussenzweig, que faz parte da equipe envolvida nesta pesquisa, afirmou que os testes em humanos podem começar em setembro.
Os resultados preliminares deste estudo foram divulgados na sexta-feira (15), no site BiorXiv na modalidade pré-print, ou seja, quando o artigo não passa por uma banca de examinadores antes de ser publicado em uma revista científica. Nos testes in vitro, foi analisado o sangue de 68 pacientes curados da covid-19. O objetivo era encontrar o que eles denominam de neutralizadores de elite, quer dizer, anticorpos que têm a capacidade de se tornarem drogas contra a pandemia.
A proteína spike do coronavírus – aquela que tem formato de um alfinete – tem um local específico no qual se conecta aos receptores das células do corpo humano. O resultado do estudo de Rockefeller conseguiu desenvolver e clonar o anticorpo que atua contra esta parte específica da spike, explica Paulo Goldani, professor de infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
— Com isso, a proteína spike não se liga aos nossos receptores e a doença pode ser controlada. A partir da clonagem destes anticorpos monoclonais, é possível atuar no tratamento, na prevenção e na criação de vacinas — afirma Goldani.
Uma vez identificado e clonado, esse anticorpo neutralizante pode ser usado no tratamento de pessoas com coronavírus — já que inibirá o acesso do vírus a outras células do organismo —, na prevenção da doença — visto que as pessoas teriam seus receptores celulares protegidos da invasão —, e na criação de vacinas que tenham estes anticorpos neutralizadores como matéria-prima.
Ponderações
Em entrevista para o site da universidade norte-americana, Paul Bieniasz, que faz parte do time de cientistas desta descoberta, revelou que quando foram testadas as amostras de plasma de pacientes infectados que se recuperaram, "foi encontrada uma variação muito grande nos níveis de anticorpos neutralizantes para SARS-CoV-2" e que 'em algumas pessoas, os níveis são tão baixos que seu plasma é praticamente inativo, enquanto outros têm plasma neutralizador muito potente".
Para O Globo, o pesquisador brasileiro também ponderou que, apesar de muitas pessoas produzirem anticorpos potentes contra o coronavírus, eles são produzidos em baixa concentração. E este é um ponto de alerta, segundo Carlos Alexandre Ferreira, professor do programa de pós-graduação em Biologia Celular e Molecular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS):
— Os resultados in vitro e preliminares desta pesquisa de Rockefeller são muito bons e animadores. Contudo, foi notado que pessoas recuperadas da covid-19 não apresentavam anticorpos neutralizantes suficiente no organismo a ponto de tornar eficiente a transferência direta de plasma de um ex-infectado para um paciente de coronavírus. Seria necessário passar pelo processo de clonagem dos anticorpos que atuam na inibição da reprodução do vírus.
Os testes de anticorpos monoclonais a serem iniciados, neste ano, ainda serão de dimensão limitada, com poucos pacientes.
O método
Para encontrar as células imunes úteis, a equipe usa uma técnica desenvolvida por Nussenzweig em 2009, que envolve a introdução de uma proteína de superfície viral fluorescente na amostra de sangue. As células que produzem anticorpos contra o vírus mordem a isca e se destacam. Uma vez que foram identificados, podem ser replicados.
O laboratório de Nussenzweig usou a técnica para desenvolver anticorpos contra a malária, influenza, hepatite e zika. Mais notavelmente, demonstrou êxito no controle do HIV. Com este método, foi possível identificar as células imunológicas específicas que produzem os anticorpos, fabricá-los em grande número e testá-los em pacientes. Em um estudo recente em estágio inicial, dois desses anticorpos suprimiram o vírus por meses em pacientes infectados pelo HIV, relatou o cientista à Universidade de Rockefeller.