Aclamados com salvas de palmas de norte a sul, profissionais de saúde têm um dos maiores desafios na história recente do país: atuar na linha de frente no combate ao coronavírus. São os heróis em uma guerra contra um inimigo invisível.
Em postos, hospitais e clínicas particulares, eles estão em contato direto com casos suspeitos, tratando os confirmados, orientando as demais pessoas a permanecerem em casa, enquanto eles próprios precisam estar onde estão.
Para muitos, é como um cenário de guerra, em que toda a sociedade é, inevitavelmente, afetada – se não pelo vírus, pelas medidas tomadas para prevenir sua disseminação em larga escala. A comparação com um conflito global não parece absurda. A doença que assola o planeta não faz distinção entre jovens e idosos, homens e mulheres, ricos e pobres. Ainda que seja mais perigoso ao atingir alguns grupos – especialmente a população de mais idade e pessoas com doenças crônicas –, o vírus é capaz de infectar indistintamente, conforme as informações que se tem até o momento. Armados com jalecos, máscaras e luvas, profissionais da saúde também estão expostos na defesa da população em um combate que, até agora, tem deixado baixas em todo mundo.
— Estamos no olho do furacão. É muito assustador para a equipe enfrentar essa situação no front — define Fábio Fernandes Dantas Filho, chefe da unidade de medicina do trabalho do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
Dantas coordena o atendimento médico à equipe que justamente presta serviço à população. A pressão, que já é constante para eles, torna-se ainda mais presente em um contexto pandêmico.
A exposição ao vírus já tem cobrado seu preço: em Bagé, há médicos com coronavírus, e Porto Alegre também tem registro de funcionários de hospitais com testes positivos para covid-19.
Na tentativa de evitar riscos aos profissionais da linha de frente – o que é especialmente preocupante pelo contato que esses trabalhadores têm com um público já vulnerável –, unidades de saúde têm reforçado seus cuidados. O Grupo Hospitalar Conceição (GHC) dispensou do trabalho 69 médicos com mais de 75 anos, que pertencem ao grupo de maior risco.
— Toda a equipe hospitalar está tensa e preocupada. O que a gente observa é uma ansiedade que antecede o enfrentamento propriamente dito da doença, que deverá acontecer em breve, face a todas informações que a gente tem até o momento — destaca Francisco Paz, diretor-técnico do GHC.
— Se uma única pessoa acreditar que precisa ficar em casa, já vou ter salvado vidas. É isso que importa, não é? — complementa um médico de Canoas, que prefere não ser identificado.
Solidariedade
A perspectiva de que o pico da doença no Brasil ainda está por vir, mobiliza instituições de saúde e seus colaboradores.
— Não há ainda um conhecimento completo do contágio, da letalidade, então isso exacerba esse temor. As equipes que estão trabalhando no front estão constantemente lidando também com outras doenças de maneira direta. Mas um caso de repercussão mundial como o que estamos vivendo deixa as pessoas mais assustadas — afirma Jorge Bajerski, diretor-administrativo do HCPA.
Ele explica que qualquer funcionário que apresente sintomas compatíveis com os de coronavírus é rapidamente examinado por uma equipe, que vai definir se o profissional deve ser encaminhado para isolamento domiciliar ou não.
— Percebemos uma certa comoção dos gestores de hospitais, uma preocupação com os trabalhadores. A impressão que passa é essa. Mas precisamos acompanhar isso na prática, manter diálogo constante, porque vão acontecer vários casos — aponta Julio Cesar Jesien, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde (Sindisaúde), que reúne 70 mil profissionais de nível médio em 61 municípios.
Nos últimos dias, cresceu nas redes sociais uma campanha de imagens de equipes médicas passando mensagens para que as pessoas fiquem em casa. A ideia de quarentena voluntária para evitar um colapso do sistema de saúde tem dimensão global. A pedido de ZH, parte da equipe do Serviço de Medicina Ocupacional do HCPA, um dos hospitais de referência no enfrentamento do vírus, posou para mensagem que ilustra esta reportagem.
Em nome do dever, distância protege familiares e amigos
Não é por trabalharem em unidades de saúde que médicos, enfermeiros, seguranças, auxiliares de limpeza, atendentes, entre outras funções, temem menos o coronavírus. Ninguém está imune à doença. Muitos profissionais relatam que o medo não é exatamente de ser infectado, mas de que a sua contaminação represente risco a muitas pessoas que estão no seu convívio ou ao seu redor, seja em casa, nas relações de amizade, nos hospitais ou postos.
— Nas unidades de saúde, precisaríamos ter um fluxo menor de pessoas, para reduzir a possibilidade de contágio nos pacientes, para diminuir o risco de nos contaminarmos e, com isso, também afetarmos nossas famílias — explica Marcelo Matias, presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers).
A linha de frente da saúde é um vetor em potencial apresentando ou não os sinais compatíveis com a covid-19, já que podem ter contraído a doença, estarem assintomáticos e, ainda assim, podendo contaminar outras pessoas.
— Minha rotina mudou totalmente. Tenho que levar minha comida e água embaladas. Pegar transporte por aplicativo, sendo que antes ia de trem. Meus pais moravam comigo, mas, como são grupo de risco, levamos para a casa do meu irmão, onde tem mais espaço. Fiquei dias dormindo na casa de amigos médicos para não voltar para o mesmo ambiente da minha família. Agora, estou sozinho — relata médico de Canoas que prefere não ser identificado.
Emocional
O impacto nesses profissionais é também psicológico. Muitos funcionários de hospitais, mesmo sabendo da recomendação de que máscaras, por exemplo, só devem ser utilizadas por quem lida diretamente no atendimento a pacientes com suspeita de coronavírus,
pedem que o equipamento seja fornecido a eles – o que, se os faz se sentirem mais protegidos, também leva à percepção dos pacientes de que essa é uma das maneiras mais seguras de se proteger.
— Em todos os dias que fizemos reuniões tem gente preocupada, querendo saber se as salas em que estiveram estavam higienizadas, se estavam utilizando EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) corretamente — relata Fábio Dantas, do HCPA.
O médico diz que é nítido, nas conversas com colegas, que muitos estão ansiosos, preocupados, alguns com convicção de que estão com coronavírus. Mas o grande temor é por seus familiares e pacientes: os profissionais se veem angustiados porque estão trabalhando com a saúde da população em meio à pandemia, ficam aflitos com a possibilidade de ter passado a doença de um paciente para outro.
— Apesar de sermos profissionais de saúde, somos, antes de tudo, seres humanos — diz Fábio.