Um grupo de 27 pesquisadores do Brasil, Reino Unido, Argentina e Estados Unidos descobriu uma correlação entre a desnutrição das mães e a síndrome congênita do vírus zika nos bebês, que tem na microcefalia uma de suas manifestações. A conclusão do trabalho foi publicada nesta sexta-feira (10) no periódico norte-americano Science Advances.
O trabalho foi dividido em duas partes, disse a professora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Patrícia Garcez, integrante do grupo de estudo. O trabalho foi iniciado em 2016 e envolveu, na primeira fase, estudos em laboratório com animais de experimentação. Foi usado um grupo que não era suscetível ao vírus zika, "que não causava microcefalia", e um grupo dos mesmos animais que eram submetidos a uma dieta com restrição de proteína durante a gravidez.
— Na verdade, o que a gente mudou foi só a dieta de um grupo para outro. E quando a gente mudou a dieta, isso foi suficiente para fazer com que esse animal fosse mais suscetível a transmitir o vírus que tinha no ambiente materno para o feto — disse Patricia.
Os pesquisadores procuraram, então, entender se isso acontecia também com mães que tiveram filhos com a síndrome congênita. Ou seja, se as mães estavam com alimentação com restrição de proteína.
Confirmação
Foram entrevistadas 83 mães no Nordeste.
— A gente descobriu que 40% dessas mães apresentavam desnutrição proteica — relata a pesquisadora da UFRJ.
Isso pode ter favorecido que os filhos dessas mães nascessem com microcefalia, por exemplo. Patricia explicou que a prevalência de mulheres que quando infectadas no primeiro trimestre são capazes de transmitir o vírus para os fetos varia muito, dependendo da região. Essa variação da transmissão vertical pode ser de 1% em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, chegando a 43% no Brasil.
Os pesquisadores decidiram investigar por que havia mais prevalência da síndrome congênita do zika em algumas regiões e por que algumas mães eram mais suscetíveis do que outras.
— É uma série de cofatores que pode estar facilitando essa diferença de prevalência na população e a gente mostrou, graças a esse estudo, que a dieta, certamente, é um desses cofatores.
A região Nordeste foi escolhida para a pesquisa porque concentra 75% dos casos associados ao vírus zika.
Os pesquisadores querem entender melhor, a partir de agora, como a dieta influi no sistema imune e como ela atua para facilitar o aumento da suscetibilidade ao vírus zika. Outra meta é testar se algum tipo de dieta é capaz de reverter essa situação.
— (Vamos verificar) se a gente consegue proteger os animais da infecção do vírus, sem transmitir aos bebês, por meio de uma dieta rica em proteína — afirma a pesquisadora.
Outra diretriz é estender o estudo para outras regiões para ver se essa porcentagem de desnutrição proteica tem uma correlação positiva nas mães que tiveram filhos com microcefalia.
— Essa pesquisa abre muitas avenidas — diz Patricia Garcez.
Ministério da Saúde
A pesquisa é focada em 24 dos 27 Estados brasileiros porque, segundo a pesquisadora da UFRJ, na região Sul quase não houve síndrome congênita. O foco é a área tropical, que mostra presença acentuada do vetor, que é o mosquito Aedes aegypti.
Os pesquisadores haviam explorado, anteriormente, a relação potencial entre desnutrição e malformações associadas ao vírus zika por meio da análise do banco de dados integrado do Ministério da Saúde. Para isso, consideraram o número de casos de microcefalia confirmados e aqueles ainda sob investigação nos Estados selecionados, entre 2015 e 2018, quantificando o número de pacientes desnutridos admitidos em hospitais nos mesmos Estados e no mesmo período.
Eles apuraram, então, a existência de uma correlação significativa entre casos de microcefalia e desnutrição, o que aponta que Estados onde se identificou um número maior de casos com desnutrição, na última década, também contavam com mais crianças com malformações desde o surgimento da síndrome do vírus zika no Brasil.
Assimetria
Segundo a professora Patricia Garcez, a parceria com o Ministério da Saúde está sendo essencial para entender melhor a microcefalia e a distribuição no Brasil, que é assimétrica, e os cofatores que atuam.
— A dieta é um cofator relevante, como estamos mostrando, mas, certamente, há outros fatores — ressalta.
Patricia acredita que a publicação do artigo científico na revista Science Advances será importante para a obtenção de novos financiamentos que garantam a continuidade dos estudos. A segunda etapa do projeto, para testar se uma dieta rica produz o mesmo efeito nos embriões, deverá ser iniciada ainda este ano.