Uma audiência pública promovida pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa nesta quarta-feira (10), às 9h40min, na Sala Adão Pretto (térreo), tratará das dificuldades para o acesso de pacientes a medicamentos da Farmácia Especial do Estado. Diversas entidades relatam problemas e inconstância no repasse dos remédios. O governo do Estado afirma que o desabastecimento é pontual e vem ocorrendo em função da dificuldade no orçamento.
A Associação Gaúcha de Doenças Inflamatórias Intestinais (AGADII) chegou a fazer denúncia ao Ministério Público (MP) no ano passado. O problema, por um período, se resolveu. Porém, no final de 2018, novamente os remédios passaram a faltar e, em fevereiro deste ano, outra vez.
— Tínhamos garantia para o mês de março, de agora em diante não sabemos como ficará. As faltas são constantes e a preocupação é grande, este medicamento é destinado a cerca de 13 enfermidades — disse uma das diretoras da associação, Rosana Peixoto.
O remédio referido é a Azatioprina, usada por pessoas em tratamento de doenças autoimunes ou transplantadas.
Em São Leopoldo, segundo a Associação dos Portadores de Lúpus do Vale dos Sinos (Alureu), o problema é com a falta de medicamentos para doenças reumáticas. Conforme a presidente Izabel Teresinha Souza de Oliveira, 56 anos, já houve defasagem por uma, duas semanas consecutivas em outras oportunidades, mas nunca por mais tempo, como vem acontecendo agora. Segundo ela, há determinados remédios sem estoque desde dezembro, como por exemplo Azatioprina, Hidroxicloroquina e Micofenolato Mofetila.
— Nós acompanhamos associações em todo o Brasil, o Rio Grande do Sul sempre teve uma situação complicada. Mas nunca esteve tão ruim como agora. E a explicação que nos dão é sempre a mesma: o Ministério da Saúde não comprou e, por isso, a Secretaria do Estado não recebeu para repassar — disse.
Só em São Leopoldo, 330 pessoas integram a associação. Na Região Metropolitana, há mais de 600 pacientes em tratamento para doenças variadas, como fibromialgia, lúpus, artrite e osteoporose.
Sem remédio e com dor
Moradora do bairro Santo André, em São Leopoldo, Eliane Gomes Mattos, 55 anos, está desde dezembro sem Rituximabe. Eliane sofre de artrite reumatoide, síndrome de carpo, lúpus e síndrome de Sjögren. O medicamento é utilizado para as infusões intravenosas que ajudam na diminuição da dor e na qualidade de vida da aposentada.
— Eu pego o remédio na farmácia de São Leopoldo e carrego para Porto Alegre, onde faço o tratamento. Desde dezembro não consigo e como não tenho escolha, não estou tomando nada. Me prometeram para 10 de abril — reforçou.
Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria Estadual de Saúde (SES), a entrega é centralizada pelo Ministério da Saúde (MS) e enviada aos Estados para atendimento dos pacientes cadastrados em cronogramas trimestrais. Atualmente, o fármaco está em falta e o governo ainda aguarda a entrega do quantitativo necessário para atender o segundo trimestre no Estado.
"Única chance de sobrevida"
Conforme denúncia da Associação Regional de Esclerose Lateral Amiotrófica (Arela-RS) há registros de falta de Riluzol. A presidente da associação, Andrea Silveira de Araújo, 53 anos, explica que a última vez que houve uma falta real do remédio foi em 2015. Mas no final de 2018 para cá, voltaram a acontecer interrupções nas distribuições.
— Em municípios localizados a até 50 km, a Farmácia do Estado leva. Alguns já registram falta. E os pacientes não podem vir até Porto Alegre buscar por conta, só podem retirar na cidade de domicílio. Em Sapucaia mesmo, nós fizemos doação há algum tempo — detalha Andrea.
Por duas semanas seguidas, a aposentada Elisa Herrmann Bello, 63 anos, foi até a unidade da Farmácia do Estado, em Novo Hamburgo, em busca de medicamento para o marido Lucio, 60 anos, que tem esclerose lateral amiotrófica (ELA), e não conseguiu fazer a retirada. O mesmo ocorreu nos meses de dezembro e fevereiro. No dia 28 de março, ela finalmente teve acesso, mas relata a angústia que é enfrentar a escassez do produto.
— Cada vez que vou lá (na Farmácia do Estado) e escuto que não tem remédio, entro no carro e tenho vontade de chorar. Este é o único medicamento que dá chance de sobrevida ao paciente, não tem como ficar sem. E é muito caro. Uma caixa com 28 comprimidos custa cerca de R$ 2,8 mil. Inclusive, as farmácias nem têm em estoque, precisa ser encomendado — disse.
Elisa conseguiu doações dos comprimidos com a Arela nos meses em que não foi atendida pelo Estado e diz que, até agora, não sabe qual o motivo da falta.
Orçamento comprometido
Moradora do bairro Jardim Lindoia, na Capital, a doutoranda em Psicologia Ariane de Brito Santos Kluge, 29 anos, usa três canetas de insulina por mês para tratar a diabetes tipo 1. Cada caneta custa, em média, R$ 110. Por isso, é imprescindível que sejam fornecidas de graça. Ariane enfrentou a primeira falta de insulina em dezembro. Em janeiro, precisou fazer uma atualização cadastral e não tentou buscar o medicamento. Mas, quando retornou em fevereiro e março, não conseguiu novamente.
– Estava comprando com a ajuda da minha família e comprometia boa parte do meu orçamento, pois tenho gastos com outros insumos do tratamento. Por mês, tenho que comprar tiras reagentes do glicosímetro, agulhas para a aplicação da insulina, e agora, estava tendo que comprar as insulinas – relata a bolsista.
Sobre o caso de Ariane, a Secretaria informou que ela está cadastrada na Farmácia do Estado para receber duas insulinas, a lispro, retirada no dia 18 de março, e a glargina, que foi comprada e o fornecedor realizou a entrega parcial nesta última semana. Depois de meses, Ariane conseguiu retirar o medicamento na quinta-feira (4).
Transparência
Todas as associações ouvidas pela reportagem pedem que o governo do Estado disponibilize de forma irrestrita e prática a lista de medicamentos disponíveis na Farmácia do Estado e nos municípios.
— No site da Secretaria Estadual de Saúde (SES) existe um link para verificar a disponibilidade do remédio, mas muitas pessoas não usam computador, não acessam internet. E é preciso senha para ter acesso — detalhou Rosana, da AGADII.
Izabel, da Alureu, também indica que o Estado deveria fazer uma atualização dos pacientes que dependem desse remédio para ver, uma espécie de prova de vida, como forma de garantir a consistência dos dados e recursos necessários.
Dificuldades nas finanças
Em nota, o governo do Estado explicou que em função de dificuldades de orçamento foram registrados desabastecimentos pontuais de medicamentos no segundo semestre de 2018. No início deste ano, a nova gestão da Secretaria Estadual da Saúde negociou com a Secretaria da Fazenda a liberação de recursos para regularizar o fornecimento de medicamentos e insumos fornecidos pelo Estado. E que, no momento, estão em andamento os trâmites de compra e distribuição visando à normalização gradual dos estoques.