Pais de crianças com Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV) no Rio Grande do Sul estão preocupados: as fórmulas que substituem o alimento e costumam ser entregues pelo Estado para famílias cadastradas estão em falta. Não há previsão para que o leite especial seja repassado novamente, de acordo com mães que participam do grupo APLV Porto Alegre e Região Metropolitana no Facebook.
Comum em bebês e crianças, a APLV é uma resposta do sistema imunológico à proteína do leite de vaca. Sem as fórmulas, a única alternativa é comprar o produto, que custa entre R$ 100 e R$ 250 a lata, dependendo da marca e da idade da criança. Administradora do grupo na rede social, a técnica de enfermagem Maria Margarete Rezende, 57 anos, está assustada:
— Há um tumulto (no grupo) em função da falta dos leites, que está preocupante.
O problema não é inédito: em fevereiro, as famílias ficaram sem o leite Neo Advance 400g. Na época, a Secretaria de Saúde do Estado (SES) informou que houve um problema no processo licitatório da compra. Agora, além dele — indicado para crianças com mais de um ano –, o Neocate LCP 400g e o Pregomin Pepti 400g, para bebês menores de um ano, também não estão sendo entregues aos alérgicos.
No grupo do Facebook, há relatos de falta nas cidades de Canoas, Camaquã, Viamão, Cachoeirinha, Salvador do Sul, Alvorada, São Sebastião do Caí, Tramandaí, Guaíba, Porto Alegre, Bagé, Passo Fundo, Araricá, Vale Real, Arroio dos Ratos, Tramandaí e Estância Velha. A reportagem buscou respostas junto à SES, responsável por fornecer o produto aos municípios gaúchos, desde o início da tarde de quinta-feira passada. No final da tarde de sexta-feira, entretanto, a secretaria informou que só falaria hoje sobre o assunto.
Procurada para responder se houve problemas na distribuição, a Danone, fabricante dos três produtos (Pregomin Pepti, Neo Advance e Neocate LCP), informou, por meio de sua assessoria de comunicação, também na sexta-feira, que não conseguiu um porta-voz para responder à solicitação.
Entenda a diferença
Segundo a presidente da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul (SPRS), Cristina Targa Ferreira, é comum confundir APLV com intolerância à lactose. Entenda a diferença entre os dois problemas, explicada pela gastroenterologista pediátrica.
APLV
- É a reação à proteína do leite de vaca.
- É uma resposta do sistema imunológico à proteína do leite de vaca.
- É comum em bebês e crianças.
Intolerância à lactose
- É a reação à lactose, que é o açúcar do leite (não apenas de vaca).
- É uma dificuldade do organismo em digerir a lactose, em razão da diminuição ou ausência da enzima lactase.
- Todos nascem produzindo a enzima, pois somos mamíferos. Porém, com o tempo, é normal pararmos de produzi-la, e assim surge a intolerância.
- É comum em adultos.
Atrasos no desenvolvimento
Segundo a presidente da SPRS, Cristina Targa Ferreira, crianças com APLV podem ter dois tipos de reações ao leite comum: uma não imediata, e outra, imediata. A primeira, menos agressiva, gera problemas como diarreia, sangue nas fezes, dores no abdômen, irritabilidade e vômito. A segunda, que ocorre em casos raros, pode causar até choque anafilático — uma reação alérgica grave e, por vezes, fatal.
Cristina ainda relata que a ausência da fórmula prejudica o desenvolvimento:
– A criança fica para trás em tudo. Ela perde ou para de ganhar peso, para de crescer, porque não tem nutrição adequada.
Ela explica que as fórmulas não podem ser trocadas por outros alimentos:
– Não existe nada tão eficiente, nessa idade, quanto o leite especial.
Alergia em dobro na casa de professora
Uma lata de leite especial por dia. Essa é a realidade na casa da professora desempregada Josiane Paz Pinto, 36 anos, mãe de gêmeos. Heitor e Antonella Paz Pinto, sete meses, têm APLV e recebem 30 latas de Pregomin Pepti por mês.
Aos cinco dias de vida, Heitor mostrou os primeiros sintomas, com sangue nas fezes. Ainda no hospital, foi descoberta a reação ao leite materno e dado início à alimentação restrita ao leite especial. A irmã, Antonella, teve o mesmo problema aos quatro meses.
— Só pude amamentar por um mês. Então, o leite especial é essencial. A gente ainda não pode dar nada mais — conta a mãe.
Ainda com sete latas em casa, no bairro Harmonia, em Canoas, Josiane se preocupa com o próximo mês:
– O pessoal da secretaria já está nos avisando que não há previsão de vir em janeiro. Então não se sabe quando vão liberar.
A lata de Pregomin Pepti custa entre R$ 100 e R$ 140. Em um mês, o custo pode chegar a R$ 4,2 mil.
Opção: recorrer à Defensoria Pública
Quando a fórmula é fornecida pelo Estado e não há estoque, os responsáveis por crianças alérgicas à proteína do leite podem buscar apoio da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul. Segundo a defensora pública dirigente do Núcleo de Defesa da Saúde, Regina Célia Rizzon Borges de Medeiros, as mães e pais precisam ir à DP com a negativa das Secretarias de Saúde, que informa que não há estoque do leite especial.
– Ainda, se a família não tiver o cadastro para receber o leite, é possível procurar um defensor público, que orientará sobre quais documentos são necessários para fazer o pedido – ressalta Regina.
Com a documentação em mãos, os defensores fazem o pedido em uma ação judicial para que o Estado faça a compra do leite especial. Assim que a SES é comunicada, normalmente, segundo Regina, ocorre decisão liminar (provisória) para que se inicie o fornecimento da fórmula para a criança. Caso isso não aconteça, a DP faz o bloqueio de valores da conta do Estado para a compra do produto.
Secretaria de Saúde do Estado e Danone não respondem
O Diário Gaúcho entrou em contato com a Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul, que é responsável por fornecer o produto para as Secretarias de Saúde das cidades do Estado, no início da tarde de quinta-feira passada, questionando sobre a falta dos leites Neo Advance 400g, Neocate LCP 400g e Pregomin Pepti 400g no Estado. Entretanto, no final da tarde de sexta-feira, a SES informou que só responderia hoje.
Procurada para saber se houve algum problema na distribuição do produto, a Danone, empresa que produz Pregomin Pepti, Neo Advance e Neocate LCP, informou, por meio de sua assessoria de comunicação, que não conseguiu um porta-voz para responder à solicitação.