Nova York – Aos 90 anos, Beverly Herzog está compondo pela primeira vez.
Uma vez por semana, a terapeuta musical a ajuda a transformar os pensamentos em versos e depois os canta, com voz melodiosa, aos acordes de seu violão – e o resultado pode ser transformador. Durante uma sessão, em dezembro, Herzog ficou maravilhada com a forma mágica através da qual a música conseguia refletir suas visões sobre o amor e a vida.
"Eu não acredito", diz ela, em seu quarto na Hebrew Home at Riverdale, no Bronx. "Fico sentada aqui, de boca aberta. Sério. E estou aprendendo a dar valor, não só simplesmente aceitando o resultado, não só pelo fato de ser uma música que compusemos juntas, mas por causa da integridade universal do sentido."
Com problemas de perda de memória, Herzog, às vezes, fica confusa. Durante a sessão, comentou com a terapeuta, Kaitlyn Kelly, que o marido, Bernie, ia visitá-la – só que ele já morreu. E reclamou também que o trabalho a afasta da família, embora viva na casa de repouso desde 2013.
Em relação às canções, porém, não há confusão; ela, inclusive, sugere correções detalhadas.
"Onde diz 'Estou ficando velha', deveria ser 'Estou ficando mais velha'", chama a atenção de Kelly sobre o verso da música chamada simplesmente "The Song". "Porque estou mesmo e não é nada fácil."
As canções a ajudam a se lembrar de seus amores. "Quando estávamos cantando, vi o rosto do meu pai bem aqui", comentou depois de "Family First". E confessa que queria que a mãe, mais do que qualquer outra pessoa, pudesse ouvir seu repertório, que hoje consiste em quatro músicas. "Ela estaria aqui, chorando, morrendo de orgulho", completa.
A terapia musical, com reconhecimento e certificação do setor de saúde, conta com 7.500 profissionais em todos os EUA e está se tornando mais comum em casas de repouso e asilos por causa de sessões como as que são compartilhadas entre Herzog e Kelly, pois ajuda os pacientes a sentirem que estão sendo ouvidos. Além disso, dentro da especialidade, há uma subcategoria que vem ganhando atenção: a terapia musical do fim da vida.
Quinze por cento desses profissionais hoje trabalham em ambientes geriátricos, e dez por cento com pacientes terminais, de acordo com uma pesquisa de 2017 feita pela Associação Norte-Americana de Terapia Musical com 1.500 especialistas.
Russell Hilliard, fundador do Centro para Terapia Musical no Cuidado do Fim da Vida em Finksburg, Maryland, publicou um estudo que mostra que, no ambiente do asilo, o terapeuta musical muitas vezes é o único experto a tratar das necessidades emocionais, espirituais, cognitivas, sociais e físicas dos pacientes.
E acredita que, quando começou nesse campo, em 1993, provavelmente era o único na especialidade em tempo integral no país. Como sinal da expansão da área, hoje é executivo da Seasons Hospice & Palliative Care, que emprega 80 terapeutas no país.
Embora não haja provas de que prolongue a vida, diversos estudos mostram que a terapia musical melhora sua qualidade, estimulando sentimentos de paz, espiritualidade e esperança, além da redução da dor. E outras análises continuam a ser feitas, uma vez que o objetivo dos especialistas do setor é tornar a profissão tão essencial no cuidado do fim da vida como a assistência social e a capelania. Atualmente, quase nenhuma seguradora ou programa de saúde público cobrem a terapia diretamente.
A terapêutica musical de fim da vida também inclui o trabalho feito por gente como Kristen O'Grady, que lida com crianças em estado terminal e suas famílias no Centro de Pediatria Elizabeth Seton, em Yonkers. Ela ajuda os pais a compor e cantar para os filhos, gravar canções de ninar e os sons dos pequenos.
"Qualquer trabalho de fim de vida implica em perda, mas a música é um processo inerentemente criativo, ou seja, a intenção é combater um com o outro – e o resultado são experiências novas, imaginativas, para os últimos momentos de alguém", conta O'Grady.
No Hebrew Home, com 735 residentes, Kelly é a única a lidar com o cuidado de fim da vida em uma equipe de doze terapeutas musicais, de movimento, drama e arte. Quase sempre é requisitada quando a avaliação mostra que o paciente tem seis meses ou menos pela frente para oferecer apoio e ajudá-lo a fazer uma recapitulação da vida. Dos dez a quinze pacientes que tem em média, trinta por cento conseguem acompanhá-la na cantoria regularmente, em um processo no qual Kelly ajusta os pensamentos deles em melodias que improvisa. Outros preferem só ouvir.
Em uma sessão com Grace Sullivan, que tem 102 anos e sofre de perda auditiva profunda, Kelly perguntou se ela queria ouvir música. "Algo bem meigo e tranquilo", completou, em voz baixa. E cantou "Qué Será, Será (Whatever Will Be, Will Be)", como a versão de 1956 de Doris Day.
Quem trabalha nesse ramo geralmente escolhe canções da época em que seus pacientes eram jovens para ajudar a transportá-los para um tempo em que eram ativos e capazes. Sullivan, que está na cadeira de rodas, reagiu à melodia suspirando no ritmo. Kelly começou a imitá-la para refletir os sentimentos da idosa e aprofundá-los.
"Como se sente, Grace?", perguntou depois.
"Bem. Eu me sinto muito bem", foi a resposta.
Para Shirley Weinrich, 83 anos, que sofre do mal de Alzheimer, ela toca músicas tranquilas e improvisa as letras. "Seu sorriso é tão brilhante", Kelly cantarola, tentando arrancar uma reação.
Às vezes, os familiares que participam das sessões ficam chocados. Jeffrey Schecter, 44 anos, conta da visita que fez à mãe, pouco antes dela morrer, em outubro. Em estágio avançado de demência, naquele dia Schecter estava muito quieta, quase inerte; Kelly então tocou uma canção folclórica judaica que a senhora adorava.
"Aí Kelly começou a cantar 'Hava Nagila', e minha mãe acompanhando! Não sei de onde tirou forças, mas repetia o refrão a plenos pulmões. Eu fiquei ali parado, perplexo, até que consegui filmar um pouco. A impressão que tive foi a de que não podia evitar a cantoria, era mais forte que ela. Caí no choro porque fazia muito tempo que não a via exibindo tanta energia."
E confessa guardar a lembrança com muito carinho.
"Eu me lembro de ter me despedido sabendo que seria uma das últimas vezes que a veria. Foi extraordinário."
Ele convidou Kelly para cantar no enterro da mãe, e ela repetiu "Hava Nagila" no cemitério.
Quando outro paciente, José Reyes, morreu em 2016, aos cem anos, Kelly deu à filha dele um CD com a canção que ele compusera, "All We Have Is Today", cuja letra Alida fez questão de ler no funeral.
"Nós nos lembramos do ontem/Só o que temos é o dia de hoje/Não sabemos se teremos amanhã/ Só o que temos é o dia de hoje", é o refrão.
Kelly, flautista formada, conta que se tornou terapeuta musical em 2013, depois que a morte do próprio pai a lembrou da fragilidade da vida. Fazendo o curso no Molloy College, ela afirma se lembrar claramente do momento em que decidiu pelo trabalho com pacientes no fim da vida.
Estagiária, visitou uma enfermaria na ilha da Jamaica onde havia vinte pessoas. "Havia uma mulher tão magra que seus ossos salientes podiam ser vistos sob a pele, mas quando comecei a dedilhar o violão ao lado de sua cama, ela se sentou, levantou os braços e começou a se mover no ritmo."
"Pensei comigo que era aquilo que queria fazer. Foi como se eu pudesse lhe oferecer um facho de luz. É assim que eu vejo meu trabalho; ele me dá o poder de acender essa luz nas pessoas."
Por Sharon Otterman