Tradicional estabelecimento de conserto, restauração e venda de relógios antigos, o Atelier do Tempo foi obrigado a trocar de endereço em Porto Alegre. O motivo foram os estragos causados pela enchente de maio no espaço que ficava na Avenida Farrapos, esquina com a Rua Pelotas. A água chegou a um metro de altura dentro do local e danificou muitos itens. A nova loja será inaugurada nos próximos dias na Avenida Cristóvão Colombo, 1.438, no bairro Floresta.
Quando a água invadiu o Atelier do Tempo havia mais de 300 relógios de clientes lá dentro. Alguns bastante raros e até os tradicionais cucos. A estimativa é de que 40 deles tenham sido perdidos. Peças utilizadas na oficina também ficaram submersas. A perda só não foi ainda maior porque muitos relógios foram postos sobre mesas e prateleiras. Ainda assim, o proprietário, Ezequiel de Andrade Neves, 43 anos, estima o prejuízo em cerca de R$ 300 mil, sem contar a queda de faturamento pelos dois meses com a loja fechada.
Diante deste cenário, Neves conta que pensou em abandonar o empreendimento, mas o amor pela profissão, que ele encara como uma missão de vida, falou mais alto.
— Chegamos a pensar nisso (fechar). Por eu ter 43 anos, percebi que está cedo para se entregar — diz, emocionado.
Nesta sexta-feira (28), a reportagem de Zero Hora foi conhecer o novo espaço, que tem cerca de 300 metros quadrados e ainda não foi aberto para o público. O local possui piso térreo, sobreloja e depósito no subsolo. Armários, estantes e mostruários estão sendo instalados.
Os relógios de parede já podem ser vistos no pavimento superior, enquanto o estabelecimento está sendo reformado e preparado para a inauguração. Uma das novidades será a venda de relógios novos de pulso, que não eram oferecidos antes.
— Trabalhamos muito com relógios que contam as histórias das famílias. Então, é algo muito complicado mexer com peças, às vezes, que não temos como repor. Para não correr este risco de novo (da inundação), decidimos mudar — explica Neves, que conserta relógios há 30 anos.
A esposa, Rosenara Pretto Neves, 43, que trabalha ao lado do marido, lembra que, além de produtos e ferramentas, foram perdidos móveis da loja com a cheia.
— Não imaginávamos tanta proporção de água. Estamos há quase 60 dias sem trabalhar — lamenta ela.
Sensação de desamparo
A família foi atingida pela inundação também em casa. Moradores de um apartamento no andar térreo de um prédio na Rua São Carlos, precisaram ser resgatados de barco por voluntários. Após as perdas na residência e no trabalho, o relojoeiro relata sensação de abandono por parte do poder público.
— A respeito das autoridades, eu me sinto completamente abandonado. Eles não cuidam de nós. Pelo contrário, eles sacrificam a população. A quem deveria ter nos cuidado e não nos cuidou tenho uma mágoa grande. Estamos sozinhos — afirma Ezequiel.
O auxílio que chegou para o recomeço, segundo o empresário, veio de familiares, amigos e até fornecedores, que facilitam o pagamento. Clientes também estão antecipando a quitação das prestações de algum conserto de relógio.
— Quero deixar bem claro que a ajuda não veio. Nosso cadastro não foi aceito nos bancos e não explicam o porquê. Não nos deram empréstimo. O que estamos fazendo é com nosso recurso — revela Neves.
Ele ainda não pôde voltar para casa com sua família. Por enquanto, vive em um apartamento na Avenida Farrapos.
Tema de reportagem
Conhecida loja e oficina de conserto de relógios cucos da cidade, o Atelier do Tempo foi tema de reportagem de Zero Hora em maio de 2023. A empresa era uma das retratadas no conteúdo especial sobre a Porto Alegre analógica (acesse aqui).