A prefeitura de Porto Alegre realizou uma Investigação Preliminar Sumária (IPS), no âmbito administrativo, para apurar relatos sobre o suposto pagamento de propina por uma empresa prestadora de serviços a um intermediário e a um ex-diretor-geral do Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae).
A empresa é a MG Terceirização de Serviços, que teve contrato vigente com o município de 2019 até fevereiro de 2022 para executar a manutenção preventiva e corretiva na rede pluvial. A prestação do serviço, acertada via licitação, foi realizada inicialmente para o Departamento de Esgotos Pluviais (DEP). Depois, quando o órgão foi extinto, a gestão do contrato passou para o Dmae.
No início do governo do prefeito Sebastião Melo, o antigo PTB, atual PRD, indicou Alexandre Garcia para ser o diretor-geral do Dmae. Ele assumiu o cargo em janeiro de 2021. A reportagem de GZH teve acesso à íntegra do relatório final da IPS, aberta por determinação de Melo, em que um dirigente ligado à MG, Luiz Augusto França Pinto, apresenta relato sobre o suposto pagamento de propina da empresa em favor de Garcia e do ex-vice-prefeito de Pelotas (2009 a 2012) Fabrício Tavares, que seria o intermediário. A apuração administrativa aconteceu entre fevereiro e março de 2022.
Logo que assumiu o cargo, narra o IPS, Garcia recebeu no Dmae os representantes da MG para uma reunião no dia 8 de janeiro de 2021. Os prestadores de serviço reclamavam dos atrasos nos pagamentos. Os empregados da empresa haviam feito paralisações na virada de 2020 para 2021 por causa das pendências, que teriam impactado na quitação de salários e benefícios. Conforme consta no IPS, Garcia teria afirmado que não se sentia confortável em liberar os pagamentos à MG em razão da paralisação de funcionários. Também foram alegados problemas burocráticos ao longo do contrato, alguns deles com documentação — a prestadora de serviço chegou a apresentar certidões falsas de FGTS, conforme descrito no relatório final da IPS.
A investigação da prefeitura, realizada por três servidores públicos, registrou que Tavares, advogado e conhecido de Garcia, esteve na sede da MG três dias após a reunião no Dmae. Tavares teria dito a França que o contrato seria renovado — de fato, isso aconteceu em abril de 2021 — e que os pagamentos seriam feitos em dia a partir daquele momento. Ele também teria prometido um aditivo de 25%. Em troca, Tavares teria dito a França que a MG deveria pagar propina de 5% do valor mensal do contrato, cujo montante alcançava até R$ 1,2 milhão, dependendo do volume de execução de serviços e das medições. Isso garantiria a suposta vantagem ilícita de até R$ 60 mil ao mês — 80% seria para Garcia e 20% para Tavares. No relato de França, o suposto pagamento teria sido acertado em um segundo momento entre Tavares e o dono da empresa, que seria "responsável pelo financeiro".
Em depoimentos no curso do IPS, tanto Alexandre Garcia quanto o proprietário da MG à época dos fatos, Marcos Aurélio Garcia, negaram enfaticamente qualquer ilegalidade. Embora ambos tenham o sobrenome Garcia, eles informaram não terem nenhum parentesco.
O ex-diretor-geral do Dmae diz que o contrato da prestadora de serviço foi renovado uma vez para não deixar a cidade sem nenhuma assistência em esgoto pluvial. Ele ressalta que até o final de 2021, na sua gestão, foram concluídas quatro licitações que contrataram os substitutos da MG, que acabou dispensada em fevereiro de 2022.
Para reforçar sua versão, França apresentou um comprovante de depósito da MG em favor de Tavares no valor de R$ 5 mil. A operação foi realizada em 31 de agosto de 2021.
“Há inúmeros áudios de conversas entre o senhor Luiz França e o senhor Fabrício Tavares, com diálogos de negociações e cobranças, com a finalidade de receber valores da propina acertada. (...) Importante frisar que esta comissão não conta com elementos técnicos para aferir a veracidade dos áudios em relação à identidade dos interlocutores. (...) A motivação do pagamento de propina, pelo que se depreende dos depoimentos, seria a burocracia da prefeitura para a realização dos pagamentos”, diz o relatório final do IPS.
Apesar do depoimento de França, dos áudios e de um comprovante de depósito na conta de Tavares, o IPS concluiu que não era possível estabelecer uma posição definitiva sobre autoria e materialidade.
“Entendemos que somente com a quebra dos sigilos fiscais, telefônicos, bancários e eletrônicos se pode mensurar se os fatos realmente aconteceram, bem como as quantias negociadas e supostamente recebidas pelos envolvidos”, diz o documento, que acumula 82 páginas.
O IPS tem rito “inquisitorial”, sem a aplicação do conceito da ampla defesa. Isso ocorre porque o procedimento não prevê nenhuma penalidade. Depois de concluído o trabalho, a Corregedoria-Geral do Município (CGM) enviou o relatório ao Ministério Público (MP-RS) e ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS). A reportagem confirmou que existe um inquérito no MP-RS desde 2022, mas não há detalhes sobre o andamento da investigação.
O caso estava restrito ao conhecimento de autoridades, mas tornou-se público recentemente, no dia 18 de dezembro de 2023, quando o vereador Roberto Robaina (PSOL) convocou uma entrevista coletiva em que França, ex-dirigente da MG, reiterou as acusações.
— Enquanto a cidade tem bairros com problema de abastecimento de água, temos uma gestão temerária no Dmae envolvendo irregularidades — afirma Robaina.
O Dmae rompeu de forma unilateral o contrato com a MG em fevereiro de 2022. Garcia deixou a direção do departamento em janeiro de 2023.
Contrapontos
O que diz Alexandre Garcia: “Minha gestão conduziu as licitações para substituir a empresa MG. Absolutamente todas as decisões deste contrato foram tomadas pelos fiscais, pelos gestores e pelo procurador-municipal que atuava no Dmae. Estou muito tranquilo. Não há nenhum tipo de interferência, desvio de conduta, favorecimento ou qualquer outro modelo que possa dar algum crédito a essa fala do França”.
O que diz o Dmae: “A prefeitura de Porto Alegre informa que, tão logo uma denúncia juramentada chegou ao Executivo Municipal, em 16 de fevereiro de 2022, o prefeito Sebastião Melo determinou a imediata investigação à Secretaria Municipal de Transparência e Controladoria. A pasta abriu uma Investigação Preliminar Sumária (IPS), composta por um procurador e dois servidores, com o objetivo de verificar eventuais irregularidades. O relatório da IPS foi encaminhado ao Ministério Público, em 4 de abril de 2022, e também enviado ao Tribunal de Contas e à Polícia Civil, diante da necessidade de investigação aprofundada com os instrumentos dos órgãos de controle e de segurança.
Sobre o contrato com a empresa MG - formado em 2019 por licitação para contratação de serviços terceirizados de manutenção preventiva de redes pluviais -, foi rompido pela prefeitura, de forma unilateral, em 4 de fevereiro de 2022, depois de que se acumularam ao menos 16 notificações à empresa pela não prestação de serviços previstos em contrato e após se esgotarem todas as chances de manutenção da contratação.”
O que diz Marcos Aurélio Garcia: Em depoimento no decorrer do IPS, o proprietário da MG à época do contrato afirmou “desconhecer qualquer pagamento de propina”. Ele declarou que administrava somente os contratos da empresa com a iniciativa privada e que tudo que envolvesse a prestação de serviços a órgãos públicos era de responsabilidade de França.
A reportagem não localizou Fabrício Tavares.