Um tratamento que vai além da ciência, operado com tinta e pincel. É através desses instrumentos que o reumatologista Júlio César Simon, 72 anos, ameniza o desconforto de quem procura combater dores agudas nos ossos, músculos ou articulações. Médico no Hospital Conceição, na zona norte de Porto Alegre, ele reúne fotos de animais de estimação ou de uma casa que tenha marcado a infância do paciente, de paisagens ou de registros que remontem a boas lembranças de vida. De posse das imagens, as reproduz em pintura de óleo sobre tela e doa a obra de arte como um complemento da recuperação do doente.
— Eu lido com a dor. E dor é algo sensitivo, faz a pessoa sofrer muito. Essas pessoas têm necessidade de algumas coisas além do tratamento médico, pois acabam também ficando deprimidas — justifica o especialista.
As telas são numeradas, com uma dedicatória escrita à mão no verso das molduras. A contabilidade, porém, há muito já foi perdida, pois os primeiros presentes não foram catalogados. Estimativa aponta em torno de 60 quadros.
O quinquagésimo quarto está na sala de Nina de Fátima Oling, 57 anos.
— Ele é mais que médico, é cuidador. É mais que cuidador, ele zela sob todas as formas de nos manter sempre altivas e com a cabeça erguida para frente, sem sinais de desânimo — elogia a catarinense, radicada no Rio Grande do Sul.
Ao vivo na Rádio Gaúcha, na manhã desta quarta-feira (6), o médico-artista respondeu à amiga conquistada em consultório.
— Ouvir isso é a realização completa — agradece.
Início como terapia e prazo medido em taças de vinho
Simon chefia o Serviço de Reumatologia do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), onde atua há cerca de 20 anos. No hospital, seus quadros ajudaram a deixar menos pesado o ambiente da ala de quimioterapia, durante uma exposição temporária.
O cargo no GHC exige demandas elevadas — a instituição é referência para dezenas de municípios que lotam vans e ônibus em busca de atendimento em Porto Alegre. A dedicação à pintura serviu como um escape para o cansaço físico e mental da função. O estalo para fugir da exaustiva rotina surgiu por volta de 2005, quando observava o mar de Tramandaí, no Litoral Norte, ao lado da esposa, Maria da Graça Winkler Simon, 65 anos.
— Ele se questionou se deveria começar a pintar, e eu disse: tu és um artista, tem o dom, faz tudo bem feito, vai! — recorda a arquiteta.
Molduras, e até alguns móveis de casa, tem marcenaria própria do reumatologista. Atualmente, há fila de espera nas encomendas.
A técnica foi aperfeiçoada junto ao amigo Marcelo Malheiros Teixeira, também pintor. O pagamento foi pouco trivial.
— Toda sexta-feira eu levava uma garrafa de vinho diferente para ele aprender, como eu faço, a reconhecer a uva pela degustação. Foram 52 semanas, 52 garrafas — se diverte ao lembrar das lições inspiradoras.
A paixão pelos syrah, cabernet e malbec fica evidente quando Simon é questionado sobre o prazo que levará para finalizar determinada reprodução.
— Essa mão aqui eu levo de duas a três taças de vinho — sorri mais uma vez o artista.
No apartamento do filho, o fisioterapeuta e acupunturista Gabriel Winkler Simon, 35 anos, está parte do acervo, sinal de que o sucesso com o traço gerou também encomendas dos parentes. Além de aves e frutas variadas, decoram o imóvel o pôr do sol do Guaíba, o olhar terno de um buldogue e a Santa Ceia de Aldo Locatelli, originalmente exposta na Paróquia São Pelegrino, em Caxias do Sul.
— Ainda não pinto, mas logo eu acho que vou começar também — vislumbra Gabriel, tecladista na banda Request, confirmando os genes artísticos da família.