Internada na UTI do Hospital Beneficência Portuguesa, Centro Histórico de Porto Alegre, uma paciente que ultrapassou os 90 anos de idade faz um pedido: “Tenho vontade de ouvir Se Essa Rua Fosse Minha”. O desejo de escutar mais uma vez a composição de Mário Lago e Roberto Martins é exposto ao médico Franklin Capaverde, 42 anos, um apaixonado por música – e colecionador de violões, guitarras, ukuleles e outros tantos instrumentos.
— Tive que aprender o dedilhado de Se Essa Rua Fosse Minha, pra ela. Toquei e ela chorou. Eu também — admite.
Além dos cuidados com a saúde dos internos, o profissional incluiu as mais variadas canções na rotina de tratamentos. No ambiente da UTI, em que convive com oscilações no quadro dos pacientes, encontrou sorrisos através de sua arte.
— A pessoa se sente acarinhada. Eu gosto de ver as pessoas melhorando, e se a música faz tão bem pra mim, por que não vai fazer para outras pessoas? — questiona, certo da resposta.
Para evitar transtorno a quem necessita de repouso absoluto, as apresentações priorizam melodias serenas, em baixo volume, quase um show acústico. Na maioria dos casos, os “espectadores” estão em box isolados, com menos leitos do que as alas com maior circulação.
Capaverde soltou os primeiros acordes no início da adolescência. Em casa, onde mantém mais de uma dezena de equipamentos, viu essa paixão ser acompanhada: a filha, Antonella, de 9 anos de idade, já se arrisca na viola.
O foco do intensivista, no entanto, foi voltado à medicina por boa parte de sua vida adulta. Gestor em uma instituição no Litoral Norte e plantonista em outros tantos hospitais, o dia a dia se tornou cansativo, apesar da realização a cada alta prescrita. Quando perdeu o pai, decidiu retomar a música. A proximidade com a filha também foi ampliada, em um momento que ele define como “de virada de chave”.
— Especialmente depois da morte do meu pai, e com essa pandemia louca, perdendo amigos, perdendo colegas, decidi voltar a fazer coisas que eu realmente gosto. Passar mais tempo com a minha filha, viajar... Focar no que é importante para mim — define.
Os planos para um futuro próximo incluem a gravação de álbum, com composições próprias.
Na manhã desta quarta-feira (6), ao vivo na Rádio Gaúcha, fez seu primeiro show para um grande público - mesmo que através das ondas radiofônicas. Escolhida pelo apresentador Antônio Carlos Macedo, tocou Tempo Perdido, do Legião Urbana. Finalizou com Unchain My Heart, de Joe Cocker, e deixou uma mensagem aos ouvintes:
— Tudo pode ser feito de maneira pesada ou leve. Estar em uma UTI sempre é duro, mas a gente pode facilitar isso para as pessoas. Não importa a profissão, qualquer atitude feita de coração é especial — resume sua singela atitude.