O segundo semestre de 2021 promete elevar a temperatura política da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, diante da votação do polêmico pacote sobre transporte público encaminhado pela prefeitura.
Com uma pauta que inclui a autorização para privatização da Carris, a retirada de cobradores dos ônibus da Capital e a redução das isenções tarifárias e dias de passe-livre, o governo Sebastião Melo terá sua majoritária base de apoio colocada à prova em plenário nas próximas semanas.
A pauta densa não termina por aí. A Câmara também voltará a enfrentar o controverso tema do IPTU. Depois de aprovar em 2019 a revisão do IPTU sob o argumento de justiça tributária, a Câmara agora votará a redução do mesmo imposto para parte dos contribuintes, a pedido do atual prefeito. Ainda que, politicamente, seja considerada uma pauta positiva, ela exigirá contorcionismo dos vereadores que, há dois anos, defenderam o aumento tributário.
Além das medidas já encaminhadas, o governo Melo prepara o envio de uma segunda remessa de propostas, dentre as quais estará a mudança no plano diretor do Centro da Capital — tema que afeta diretamente as condições de moradia e organização urbana. A proposta deve abrir o debate sobre a revisão de todo o plano diretor, a partir da perspectiva da prefeitura de incentivar a construção de prédios mais altos.
Ainda nos assuntos urbanísticos, é neste segundo semestre que a Câmara deve decidir se dá ou não autorização para o Sport Club Internacional construir espigões ao lado do Beira-Rio, em um terreno originalmente doado pelo poder público para fins de lazer.
Pacote de mobilidade até setembro
Tentando aproveitar o embalo do primeiro semestre — quando conseguiu aprovar todos os seus projetos em plenário —, o governo Melo pretende votar, em poucas semanas, as medidas que impactam o transporte público. O pacote é visto como prioridade pela prefeitura, mas conta com profunda divergência da oposição e tem potencial de mobilizar rodoviários e municipários.
— O final de setembro é o prazo mais longo que projetamos para votar todos esses projetos. Creio que os projetos da privatização da Carris e (de retirada) dos cobradores são os nossos principais desafios em termos de resistência, pois envolvem percepções mais acaloradas — estima Cassio Trogildo, secretário municipal de Governança e articulador-mor do Paço Municipal.
Antes de chegarem a plenário, os temas precisam passar por audiências públicas promovidas pela Câmara. No próximo dia 12, acontece o debate sobre o projeto que autoriza a privatização da Carris. No dia 19, sobre a retirada dos cobradores dos ônibus. Uma semana depois, a proposta de Melo de reduzir o público com gratuidades e os dias de passe-livre.
— É um governo que tem pressa. E acredito que tem força (para aprovar essas medidas) — resume o presidente da Câmara, Márcio Bins Ely, do PDT, legenda que se autodeclara independente no Legislativo municipal, mas que tende a votar em favor de Melo.
O argumento central usado pela prefeitura para defender o pacote é a crise no financiamento do transporte público. Uma das propostas encaminhadas prevê a criação de um fundo patrocinado pelas empresas privadas para sustentar o sistema público utilizado pelos trabalhadores. A prefeitura, contudo, já fala abertamente em desistir dessa proposta.
— Tem projeto que pode sofrer retirada. Tem muitos pequenos empreendedores que não precisam de passagem para os seus funcionários. E não é justo cobrar deles para baixar o valor da passagem — aponta o líder do governo Melo na Câmara, Idenir Cecchim (MDB).
Nos bastidores, a prefeitura acredita ter votos de sobra para aprovar todos os textos. Como parâmetro, toma a votação da reforma previdenciária, aprovada no primeiro semestre, na qual conseguiu 24 votos favoráveis. Os projetos deste segundo semestre dependem de maioria simples ou absoluta, ou seja, 19 votos favoráveis são suficientes.
Oposição fala em “redução de danos” e cobra ações sociais
Com 10 votos fixos e dificuldades para barrar os projetos da prefeitura, a oposição a Melo seguirá usando os espaços previstos para obstruir a pauta e adiar ao máximo as votações. Em outra frente, vai trabalhar para fazer o que o líder da oposição, Pedro Ruas (PSOL), chama de “redução de danos”, buscando acordos para suavizar as propostas da prefeitura.
— A gente faz o enfrentamento, mesmo em condição numérica tão desfavorável, sempre. Essa tática da diminuição de danos, também trabalhamos com isso. E tem ainda o recurso ao Judiciário. Com isso, já conseguimos adiar as votações da Procempa e da previdência — aponta Ruas.
O líder da oposição elogia a postura do líder do governo, mas critica a falta de diálogo do próprio prefeito. Para Ruas, a relação entre governo e oposição poderia melhorar se Melo tivesse boa vontade com as pautas sociais da oposição.
— Se o prefeito fizer gestos em defesa da cidade, como aumentar para 50 mil a distribuição de cestas básicas ao mês, por exemplo, isso geraria gera boa vontade na gente. As pessoas estão morrendo de inanição, é de chorar! Pessoas adultas que comem uma vez por dia para que os filhos possam comer duas vezes. É dramático. Esperamos uma mudança de postura do prefeito — diz Ruas.
Conheça as principais propostas
Carris
O projeto pede autorização para a prefeitura se desfazer da Carris. Existem três opções para que a empresa deixe de ser controlada pela prefeitura e passe para a iniciativa privada. A Carris pode ser privatizada, que é quando ela é vendida e passa a ser administrada pela inciativa privada. Também há a opção de associar a empresa, que significa a venda de uma parte e o restante segue sendo de posse da administração pública.
Por fim, a Carris pode ser licitada, que é quando patrimônio da empresa é vendido, mas os serviços são licitados e executados por empresas privadas. Neste último caso, as linhas de ônibus passariam a ser operadas por outras empresas que já realizam este serviço na capital.
Cobradores
A extinção começaria permitindo que as empresas deixem de ter cobradores entre 22h e 4h. Até a extinção completa da função, que seria em 1º de janeiro de 2026, a prefeitura implementaria cursos de qualificação e faria realocações. Os profissionais que se aposentarem até lá — cerca de 1 mil entre os atuais 2,6 mil — não seriam repostos. Com essa medida, se aprovada na Câmara, a economia deverá ser de R$ 0,74 sobre a passagem ao final de 2025.
Fim da gratuidade
Em relação às gratuidades, a prefeitura pretende eliminar nove das 14 categorias que hoje não pagam passagem. Seriam mantidos isentos os idosos com mais de 65 anos, enfermos e seus acompanhantes, crianças e adolescentes em assistência social e acompanhantes, Brigada Militar e estudantes de baixa renda. Conforme a expectativa, o impacto na passagem seria de R$ 0,21.
IPTU
A prefeitura propõe cancelar os aumentos de IPTU programados para 2022 em diante. Assim, os aumentos já realizados desde 2019 ficariam mantidos, mas os futuros não seriam efetivados. Segundo a prefeitura, cerca de 30% dos imóveis impactados pelo reajuste da planta de IPTU de 2019 seriam beneficiados pela medida.