Funcionárias que trabalharam por muitos anos no prédio onde atualmente funcionava a sede da Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul (SSP) custaram a acreditar que parte dos nove andares da estrutura, inaugurada em 1974, estava sendo engolida pelas chamas na madrugada desta quinta-feira (15), em Porto Alegre. Além da destruição do imóvel, dois bombeiros que combatiam o fogo seguem desaparecidos.
A jornalista aposentada Marioni Auler chorou ao ver as primeiras cenas compartilhadas nas redes sociais. Funcionária da extinta Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), ela começou a trabalhar no prédio em 1975, um ano depois de ele ser inaugurado, e só o deixou em 2000, quando o governo do Estado assumiu de vez a edificação e os colaboradores do órgão federal que restavam — Marioni entre eles — se mudaram para um novo endereço até a extinção completa da RFFSA, em 2003.
— Eu chorei e muita gente chorou nos quatro grupos de ex-funcionários que mantemos no WhatsApp. Até hoje, somos como uma família. Trabalhei durante quase 30 anos, oito horas por dia, naquele prédio. Era a nossa segunda casa. Tínhamos um elo de ligação com ele. Aquele edifício era o nosso cordão umbilical com a nossa história — revela.
Marioni ingressou na RFFSA como agente administrativa, e já cursava jornalismo. Em 1977, tornou-se estagiária no então novo setor de Comunicação Social do órgão. Dois anos depois, prestou concurso interno e assumiu a vaga de jornalista até se tornar chefe da Comunicação Social.
Ela recorda que cerca de 500 pessoas trabalhavam no edifício-sede da RFFSA, no momento da privatização. Marioni atuava no oitavo andar e tinha como vista a Rua Voluntários da Pátria. Mas lembra com carinho do nono andar, onde funcionava o restaurante da RFFSA.
— A vista do nono andar era de 360° de Porto Alegre. Passei a vida vendo o pôr-do-sol lá de cima. Eu tinha um apego muito grande ao prédio. (Com o incêndio) uma parte de nós se foi, mas ficará para sempre na nossa memória — desabafa.
Assim como Marioni, a pedagoga Sibele Batezini, 52, guardará na memória as imagens do terraço do nono andar. Ela é funcionária do Detran-RS e há 17 anos trabalhava no edifício da Rua Voluntários da Pátria.
— Aquele espaço nos propiciava momentos de contemplação. Era um refúgio bem significativo para os colaboradores — comenta.
Aprovada em concurso público em 2004, Sibele começou a trabalhar como pedagoga na Divisão de Habilitação, Educação e Estatística do Detran, localizada no segundo andar. Depois, atuou no quinto andar, onde foi chefe da Divisão de Habilitação. Nos anos mais recentes, estava no sétimo andar, como assessora da direção-geral.
A pedagoga conta que até as 4h desta quinta-feira ficou em contato com colegas, amigos e parentes pelas redes sociais buscando informações sobre o incêndio.
— É difícil explicar o sentimento. Foi um choque. Não queríamos acreditar nas imagens. A gente ainda alimentava a esperança de que o fogo poderia ser contido. Mas, quando parte do prédio desabou, fiquei atônita — conta.
Desde o início da pandemia de coronavírus, Sibele estava trabalhando em home office e em regime de escala presencial. Atualmente, ia ao prédio nas quintas e sextas-feiras. Com o incêndio, ela foi orientada a seguir para as dependências da Procergs.
— Foi uma noite de dor, mas acordei pensando em recomeçar. Vamos juntar os caquinhos. Perdemos o simbólico de uma história de vida e de trabalho. Mas o Detran não é o prédio, é o trabalho das pessoas. E isso estamos colocando em ordem — garante.
Sibele lamenta, acima de tudo, o desaparecimento dos dois profissionais que estavam tentando combater o fogo. A pedagoga pretende ir ao prédio, quando for possível, para ver o que restou, como uma forma de ritual de despedida.