Nesta quinta-feira (25), se completam 10 anos do final de tarde em que o então estudante de arquitetura Ricardo Ambus ouviu um ruído forte se aproximando pelas costas, sentiu o choque que quebrou seu braço esquerdo em dois lugares e foi arremessado no ar. Na queda, teve um hematoma no cérebro e lesionou o braço direito. Ficou três dias hospitalizado.
– Essa última lesão sofro até hoje. Sinto dor no ombro todos os dias ao usar o mouse – relata.
O arquiteto foi um dos 17 ciclistas feridos por Ricardo Neis, motorista que avançou sobre uma multidão de 150 participantes do movimento Massa Crítica na Rua José do Patrocínio, gerando uma das cenas mais chocantes da história recente da cidade. De volta do Rio de Janeiro desde novembro, o arquiteto ainda não se encorajou a montar sua bicicleta. Além do episódio de 2011, pesa ainda ter sido atropelado e hostilizado três anos depois, no bairro Bom Fim.
– Ainda acho que falta educação no trânsito, mas o caso chamou a atenção para o problema. As manifestações do Massa Crítica, que tinham 150 pessoas, chegaram a ter 4 mil – relembra.
Coordenadora de projetos de mobilidade sustentável de EPTC, Alessandra Both concorda que o episódio, embora chocante, teve impacto positivo ao colocar a integração do ciclista ao trânsito em discussão. Não à toa, 25 de fevereiro se tornou o Dia Municipal do Ciclista.
– Ainda se via muito o ciclista como um intruso, como alguém que estava atrapalhando o trânsito com o seu lazer. O caso colocou em pauta a necessidade de ciclovias. Até ali, todo mundo era a favor, mas na rua detrás ou na rua da frente, nunca na sua – relembra.
A diferença na malha cicloviária é notória. Até o final de 2010, Porto Alegre contava com 3,35 quilômetros de ciclovia. Hoje, são 58,73 quilômetros – 17,5 vezes superior. Em que pese a pandemia, em 2020 foram implementados 9,26 quilômetros, maior índice desde 2015 (11,35). Os últimos trechos foram entregues em novembro, nas ruas Fernando Ferrari (2,4 quilômetros), no bairro Navegantes, e nas avenidas Plínio Brasil Milano e 24 de Outubro (1,4). Já existe financiamento para mais 45 quilômetros.
Concomitante, há o desafio de manter os números de acidentes e vítimas fatais em baixa, especialmente com a popularidade das bicicletas durante e no pós-pandemia.
– A ciclovia é importante porque induz um maior número de ciclistas sem impactar nos acidentes. Na Rua Mariante, por exemplo, após um ano de implementação, o número de mulheres cresceu 25%, porque elas se sentem seguras ali – exemplifica Alessandra.
Se comparados a 2011, os índices relativos a acidentes com ciclistas também são positivos. O número de acidentes envolvendo bicicletas caiu 26% e o de pessoas feridas em acidentes envolvendo bicicletas 30%. Entre 2011 e 2015, morreram em média 6,4 ciclistas por ano. Nos últimos cinco anos, a média caiu para quatro (37% de redução).
Embora a quilometragem de ciclovias ainda seja tímida frente aos 490 quilômetros previstos no Plano Diretor Cicloviário Integrado, implementado desde 2009, a prefeitura comemora avanços importantes, como a conclusão da Avenida Ipiranga e a desafiadora inclusão da Mauá, que ganhou seus primeiros 700 metros acompanhados de mudanças para proteção de pedestres e ciclistas. A própria José do Patrocínio é um exemplo. Após ganhar ciclovia em 2013 e sinalizações de segurança em 2019, ela passa por estudos para tornar o trânsito ali ainda mais calmo, tornando cenas com a de 2011 cada vez mais improváveis.
O caso Ricardo Neis
25/02/2011 – Na Rua José do Patrocínio, o bancário Ricardo Neis, então com 47 anos, avança com um Golf em alta velocidade contra 150 ciclistas do movimento Massa Crítica, que realizavam manifestação pedalando na via. Ele fere 17 pessoas e foge do local.
03/03/2011 – Ricardo Neis é preso preventivamente. Após 21 dias, ele é denunciado.
07/04/2011 – A liberdade provisória é concedida e o réu responde a processo em liberdade.
24/11/2016 – Após sucessivos recursos para evitar júri popular, Neis é julgado. É condenado a 12 anos e nove meses de reclusão em regime fechado por 11 tentativas de homicídio e cinco lesões corporais. Ele recorre da sentença em liberdade.
07/10/2019 – Encerrados recursos, a polícia não consegue localizar Neis para cumprir mandado de prisão. Ele passa a ser considerado foragido.
13/05/2020 – Neis é localizado em um apartamento na Lagoa da Conceição, em Florianópolis (SC), e preso. Atualmente cumpre pena no presídio Central de Porto Alegre.