Atrás de uma fachada espelhada na zona norte de Porto Alegre, há uma casa de cultura diferente de qualquer outra. O espaço inaugurado no dia 11 na Rua Dom Pedro II serve para contemplar, discutir e pesquisar uma atividade que parece bicho de sete cabeças para a maior parte dos seres humanos: análise de dados. Foi construído e será subsidiado até o final de 2020 pelo Cappra Institute for Data Science, do porto-alegrense Ricardo Cappra, 40 anos, que retornou dos Estados Unidos (onde fica sediado o instituto) para morar na sua cidade natal.
— Trata-se de uma cultura que as pessoas não estão acostumadas a lidar. A gente está tentando encontrar formas de simplificar essa mensagem — diz o cientista-chefe.
Há dados representados em todos os cantos da Casa da Cultura Analítica, de obras de arte nas paredes a telas de informações em tempo real. Uma mostra quais os emojis mais usados no mundo inteiro (o que chora de rir era o campeão no momento da entrevista, seguido pelo de olhos fechados e semblante triste). Também tem outras que vão atualizando, incessantemente, quais são as expressões mais procuradas no Google, no país e no mundo. No dia em que o ministro da Economia Paulo Guedes deu uma declaração evocando o decreto emitido na ditadura militar, "AI-5" era um dos termos mais buscados, ao lado de "resultado da Lotofácil" e de "Champions League".
Ali, no chamado Laboratório de Big Data, tem ainda um espaço para crianças brincarem de fazer gráficos e demonstrativos com Lego e deve ocorrer uma série de palestras com contribuição solidária para pequenos grupos — de encontros sobre proteção de dados para idosos a visitas de escolas públicas. A primeira, foi realizada na noite desta terça-feira (26), quando cerca de 15 pessoas sentaram-se em cadeiras e tapetes brancos para ouvir o especialista em CyberBullying Cristiano Borges falar sobre o tema: o que é, quais as práticas comuns, consequências, como tentar prevenir e outras questões do tema foram tratadas. A empresária Zanandreia Oliveira, 43 anos, prestigiou e levou a filha de 12 anos porque quer que ela multiplique esse conhecimento na escola.
— É necessário abordar esse assunto. Muitos pais deixam a internet de babá para os filhos — destacou.
Ao lado do laboratório, há o Estúdio de Ciência de Dados. É um cubo de vidro onde dá para rabiscar as janelas e a mesa e colar post-it com anotações pelas paredes brancas para desenvolver pesquisas. Neste momento, os cientistas de dados Cappra Institute estudam crimes relacionados a dados — o que apelidaram de "o lado negro do big data". Podem ir desde aquele hater que dissemina o ódio em alguma rede social a um marca-passo hackeado por wi-fi.
A Casa da Cultura Analítica ainda tem um terceiro espaço, focado no compartilhamento. Com quatro mesas pretas, o Coworking de Analytics deve receber pessoas que estejam realizando algum projeto analítico.
— A ideia é que seja um espaço de troca, para que a gente possa aprender com eles e eles possam aprender com a gente — explica o cientista de dados Pedro Venturini, membro do instituto.
A decoração da casa de cultura foi toda pensada por membros do instituto. Eles até chegaram a contratar uma arquiteta no começo, mas não deu certo.
— Ela desistiu porque a gente era muito louco — admite Cappra, sem deixar de achar graça.
A casa foi toda pensada para atender gente da área, mas também para encantar e atrair leigos. Para esse grupo, leva um tempo para entender o que ela quer comunicar. A reação que Cappra gostaria que as pessoas tivessem, ao entrar no espaço, pode ser dividida em três atos. Primeiro, surpresa, por reparar que ela não conhece tudo isso — ou nada disso. Depois, que se dê conta que essas todas essas análises estão impactando a vida dela. E terceiro, que ela decida saber mais sobre o assunto.
— Durante a transformação digital, a única coisa que está ficando de estoque são dados. Daqui para frente, alguém vai analisar esses dados. Tu pode participar disso ou deixar alguém analisar teus dados — comenta Cappra, acrescentando: — As pessoas precisam entender que o futuro inevitavelmente vai ser mais analítico. Ele pode estar nas mãos de poucos ou pode ter mais pessoas participando disso.
O espaço fica aberto de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h, e a programação de palestras estará disponível no site do instituto até o final da semana.