Braço da ONU voltado para urbanização sustentável e assentamentos humanos, a ONU-Habitat irá participar do processo de revisão do Plano Diretor de Porto Alegre, que deve ser aprovado pela Câmara Municipal em 2020. Prefeitura e organização assinam na tarde desta quinta-feira (8) o memorando de entendimentos, e, nas próximas semanas, deverão firmar um acordo de cooperação técnica.
A Capital não será a primeira a contar com a ajuda do órgão para revisar o documento, importante ferramenta de planejamento urbano. O ONU-Habitat tem acompanhado a elaboração e a implementação de planos diretores de cidades como Belo Horizonte, Fortaleza, Recife e Rio de Janeiro.
Em Porto Alegre para a assinatura do memorando, o colombiano Elkin Velásquez, diretor do Escritório Regional do ONU-Habitat para a América Latina e o Caribe, conversou com GaúchaZH sobre o trabalho a ser realizado na capital gaúcha, que, segundo ele, tem condições de tornar-se inspiração para outras cidades latino-americanas.
— Quando a cidade quer avançar, dar mais um passo em relação ao processo de planejamento, começamos bem. Em Porto Alegre já identificamos isso — disse.
Pela primeira vez na Capital, Velásquez destacou, ainda, a importância de ouvir os diferentes atores sociais no processo de planejamento urbano. Leia a entrevista na íntegra:
A ONU-Habitat está colaborando com o plano diretor de várias capitais. Por quê?
Somos um dos programas da ONU que têm uma especialização em desenvolvimento urbano sustentável. Entre as agendas globais da ONU, além dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), e da Agenda de Paris, há uma sobre desenvolvimento urbano, chamada Nova Agenda Urbana. É uma série de princípios que orientam a ação pública para conseguir cidades mais humanas, com mais qualidade de vida, mais prósperas, resilientes e seguras. A ONU-Habitat é a referência para acompanhar governos nacionais, regionais e locais, a partir da demanda. No mundo de desenvolvimento sustentável, trabalhamos sob demanda, porque um dos princípios é o respeito completo à soberania dos países.
Como a ONU-Habitat está ajudando as cidades?
Somos uma instituição especializada que canaliza o trabalho pela via da cooperação técnica. Em conjunto, discutimos qual é o nível de acompanhamento e investimento a ser feito, com diferentes formatos. Tem cidades que pedem para que façamos tudo. A gente faz, temos capacidade, expertise. Tem cidades que querem acompanhamento do tipo orientação técnica, ou cooperação internacional. Tem aquelas que só pedem uma avaliação no final, e não participamos durante o processo. Outros querem que a gente sistematize. São diferentes modalidades, e isso depende da demanda concreta de cooperação de cada lugar.
Qual será o grau de cooperação adotado em Porto Alegre?
Por enquanto, estamos negociando qual será o nível de envolvimento da parte técnica da ONU no planejamento da cidade. Tenho identificado que os princípios da nova agenda urbana já estão interiorizados pela prefeitura: sabem que o planejamento é uma ferramenta muito forte para ter impacto da redução da desigualdade e na melhora das condições para o investimento privado. E também para acompanhar os processos de mitigação da mudança climática. Nossa equipe técnica está vindo, está tendo conversas com a prefeitura para identificar qual vai ser o nível de cooperação e também quais são os objetivos que terão impacto maior para a cidade. Acho que aqui existem condições de desenvolver um processo muito importante para a região e para América Latina como um todo, de inspirar outros lugares. Uma cidade aberta a escutar e compartilhar tem condições de avançar mais rápido.
Que características levam a crer que Porto Alegre pode tornar-se exemplo?
Tem condições, como um grupo humano disposto, uma vontade de fazer coisas, um certo empreendedorismo social, o que é positivo, e também tem precedente: Porto Alegre, em alguns temas, já foi referência internacional. São elementos para pensar que vai dar certo e inspirar outras cidades. É o que aconteceu em Buenos Aires e em Rosário, na Argentina, em Medellín, na Colômbia, e na Cidade do México. Mas isso exige processos que precisam de um planejamento sério, sustentação no tempo e resultados no curto prazo, em bairros ou processos específicos de gestão pública.
E que exemplos de outras cidades podem ser úteis?
Projetos concebidos como uma plataforma real de apoio baseada em evidências mostram alguns elementos que fizeram outras cidades darem certo. Tanto na Europa quanto na América Latina, processos de planejamento baseados em dados, no caminho certo, de médio e longo prazo. Também é muito importante ter um diálogo permanente com diferentes atores da cidade, que mudam de um bairro pra outro. É o que chamamos de territorialização do processo. Por exemplo: o trabalho em Ipanema vai ser diferente do Quarto Distrito.
Quais as principais dificuldades encontradas em lugares com características semelhantes a Porto Alegre?
Tem vários níveis de complexidade. Mas já ter a visão do que precisa ser feito é algo que não acontece o tempo todo. É um ponto importante, que existe em Porto Alegre. E estar aberto a trocas internacionais. Tem cidades que querem fazer sozinhas, mas a experiência da ONU mostra que a troca internacional agrega valor. Às vezes evita erros e ajuda o processo a ser mais eficiente. Se alguém fez alguma coisa que não deu certo, você não precisa fazer. Outra questão é que, se o processo não é participativo, não vai dar certo. Não é sustentável. Processos de planejamento precisam dessa conversa permanente com todos os atores da sociedade.
Que pontos devem ser abordados durante o período de cooperação?
A gente já tem identificado alguns elementos-chave: facilitar o diálogo com experiências internacionais, contextualizar o planejamento de acordo com características locais, e realizar um monitoramento com índices de última geração. Na ONU, temos desenvolvido ferramentas específicas para a gestão das cidades, utilizando dados do Índice de Prosperidade Urbana, que também colocamos a serviço do processo. Na ONU, não se concebe um processo sem participação cidadã, um diálogo horizontal de saberes e percepções. Então estamos aqui também para acompanhar esse processo em particular. Não tenho dúvida que vão surgir áreas, setores e perguntas concretas que poderão encontrar respostas nas experiências da ONU.