Escolha de milhões de torcedores, acompanhar os jogos pelo rádio é a única opção do estudante Lucas Luan Siqueira de Lima, 20 anos. Com 15% da visão em um olho e cego do outro, o morador de Gravataí se utiliza da descrição de Pedro Ernesto Denardin, de quem pega "emprestada" a visão, para remontar os lances do gramado.
— Quem tá ouvindo pelo rádio não vê os lances, então o narrador precisa explicar o que tá acontecendo. O Pedro faz isso muito bem. E eu narro junto, ouço depois de novo e narro mais uma vez — conta o jovem.
Provocado, Lucas não treme e sobe o tom da voz, grave e sem tropeços, narrando com detalhes o gol de Diego Tardelli na vitória do Grêmio por 2 a 0 contra o Libertad, no último 25, na Arena. Estádio que o torcedor lamenta nunca ter visitado.
— Tá louco, os ingressos são muito caros para mim. Se no rádio eu já fico louco, imagina no campo! Bah, vou ter um troço — alerta, com um nervoso sorriso de quem imagina a energia das arquibancadas.
Lucas vive com os pais em uma casa de madeira — simples, mas charmosa — de paredes azuis, janelas amarelas e piso de tábuas em diversos tons. No imóvel, o bem mais valioso é o antigo rádio que fica na sala.
— O rádio é um debate diário aqui em casa. Quando tem jogo, então, é o dia todo: acompanha escalação, tudo — diz a mãe, Tatiana Siqueira de Lima.
Tatiana, que teve rubéola na gravidez, explica que Lucas passou por duas cirurgias nos primeiros meses de vida, mas não evitaram a perda da visão.
A mãe conta que a falta de isolamento acústico da casa já gerou embates com a vizinha, torcedora do Inter:
— Ela grita "baixa o volume" por causa dos berros dele. E eu digo: "Deu, né? Para, Lucas". Mas a vizinha e ele se dão bem, é mais de brincadeira.
Ouça a narração feita por Lucas
A namorada e a paixão dividida
Quando a partida tem transmissão nos canais abertos, quase encosta o nariz na tela para acompanhar a movimentação dos vultos em campo.
— Se for Gre-Nal, torço para o Grêmio. Mas, se ele cai fora, torço para o Inter seguir no campeonato. Gosto dos times daqui, isso que importa — afirma o tricolor, sem deixar de tocar flauta no repórter colorado: — Até porque o Inter não ganha nada importante desde 2010, né?
A namorada, Fernanda Rolim Bueno, 38 anos, aceita a paixão dividida:
— Uma vez, tinha jogo bem na hora de um jantar de casais da igreja. Ele colocou o fone por baixo do terno e ficou com a mão do lado da cabeça. Achei que tava com dor de ouvido, mas que nada! Tava era ouvindo rádio — relembra.
Utilizando os comandos de voz do celular, demonstra habilidade nas pesquisas dos gols gremistas. Interrompe a conversa com a família diversas vezes para mostrar lances que para ele são memoráveis.
— Às vezes, tenho pena do Marcos Bertoncello, que tá falando e tem que parar porque o Pedro interrompe em uma jogada perigosa — conta o ouvinte assíduo.
Ao falar do ídolo, tenta imaginar o encontro:
— Penso que o Pedro Ernesto seja carinhoso, que abrace os fãs. Pelo que já pesquisei, sei que é um cara fora de série — adjetiva o jovem, com as mãos nervosas na busca de mais um sonho ainda não realizado.