A Biblioteca Comunitária do Arquipélago, localizada na Ilha Grande dos Marinheiros, em Porto Alegre, segue em um impasse. Ela e outros imóveis vizinhos devem ser derrubados o quanto antes para a continuação da obra da nova ponte do Guaíba, mas, em razão do trabalho desenvolvido com crianças daquela comunidade, representantes do espaço cultural não veem sentido em existir em outro local.
Uma biblioteca é uma ponte. Por ela passa o espírito humano. Ela está ameaçada por outra ponte, ruidosa e violenta. Impeçamos essa insanidade. É o compromisso que temos com nossa geração
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL
escritor e professor, em texto de apoio à Arquipélago nas redes sociais
Recentemente, a causa recebeu apoio institucional da Associação Gaúcha de Escritores (Ages). Dezenas de profissionais do setor cultural colaboraram com declarações de apoio.
“A Biblioteca do Arquipélago é do povo como o céu é do condor, ou do avião. Gestor público, não ponha em seu currículo o fechamento de uma biblioteca popular”, publicou o poeta, músico e professor Ricardo Silvestrin, em rede social, recentemente.
A ponte está 84% concluída. Agora, a obra depende da saída das famílias da ilha para continuar. A construção parou a poucos metros do santuário de Nossa Senhora das Águas, cujos responsáveis já negociaram a saída diretamente com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), responsável pela obra.
Em volta da biblioteca e dos 1,5 mil livros, observa-se um movimento acelerado de famílias desmontando casas para tomar novos rumos. Segundo o Dnit, a construção demandará a remoção de 1,7 mil famílias da região das ilhas do Guaíba. Dessas, cerca de 550 já negociaram a saída com a autarquia por uma das duas alternativas oferecidas: indenização em dinheiro ou a “compra assistida”, quando o morador indica um imóvel em outra localidade e o governo se encarrega de fazer a compra.
– Muita gente está indo ao Litoral. Imagino que não querem perder a relação com a água. Mas há moradores que não estão fechando acordo, apostando que ganharão na Justiça o direito de serem realocadas aqui, em região próxima. Almejamos o local mais perto das pessoas que ficarão – diz Márcia Cavalcante, pedagoga da ONG Cirandar, responsável pela biblioteca.
Bibliotecas são espaços necessários, sempre. E se a biblioteca é popular, mais ainda sua existência se torna vital. Viver entre livros é alimentar a capacidade de sonhar e de sobreviver à hostilidade do real
CAIO RITER
escritor e professor, em texto de apoio à Arquipélago nas redes sociais
Segundo a Cirandar, embora a biblioteca tenha começado os trabalhos já com a previsão de que o projeto da nova ponte demandaria o espaço, em 2014, a administração municipal anterior havia previsto realocação dos moradores em loteamento próximo dali, onde a Arquipélago também esperava ficar. A atual gestão do Executivo argumenta que a região seja apropriada.
– O local não respeita a ideia de moradia digna. Além de ser alagadiço e de haver reservas ambientais, cria a dificuldade para oferecer serviços públicos – afirma o vice-prefeito, Gustavo Paim.
Polêmica à parte, a prefeitura reconhece a importância da biblioteca, e Paim diz que a alternativa é a realocação em alguma escola na área das ilhas. Atualmente, a prefeitura analisa a possibilidade de oferecer um espaço à Arquipélago em um colégio na Ilha do Pavão, no lado oposto da Ilha Grande.
A Biblioteca do Arquipélago é do povo como o céu é do condor, ou do avião. Gestor público, não ponha em seu currículo o fechamento de uma biblioteca popular
RICARDO SILVESTRIN
poeta, músico e escritor em texto de apoio à Arquipélago nas redes sociais
Em março, a situação da Arquipélago foi tema de uma sessão na Câmara dos Vereadores, de onde saiu com apoio da Frente Parlamentar do Livro e da Leitura. Na ocasião, as crianças da ilha tomaram as galerias com cartazes como "Queremos a nossa biblioteca".
— O lado triste disso é que a maioria dessas crianças que estavam na sessão segurando cartazes não deverá usufruir da biblioteca, seja qual for o destino dela. Calculo que as famílias de 80% delas acabarão removidas para outra comunidade — lamenta Márcia.