"Nós perdemos o direito de comer todos os dias da semana?". Esta pergunta estampa o cartaz que foi colado na porta do Restaurante Popular de Porto Alegre, fechado desde esta sexta-feira (10) pela prefeitura. O texto feito por alguns frequentadores que deixaram seus nomes na ponta da folha cor-de-rosa traz outro recado, que é um quase um pedido de ajuda: "a sociedade tem motivo para ajudar a manter o bandejão para a classe baixa".
Ao lado do local onde a refeição era servida, funciona a Associação Cultural e Beneficente Ilê Mulher, como um centro de atendimento à população de rua. O local não serve almoço, mas oferece um sanduíche e café, pela manhã e à tarde. Ali, as pessoas em situação de vulnerabilidade social realizam também algumas atividades. Sem o restaurante, alguns antigos frequentadores acabaram recorrendo ao local nesta sexta-feira.
– Muitos que moram na rua, assim como eu, não gostam de sair por aí pedindo comida, não queremos incomodar. Aí, a única opção que tinha, retiraram. Isso quebrou muita gente hoje, muitos que não vão ter onde comer. Eu venho aqui para fazer as atividades que oferecem, preencher a cabeça com algo decente – conta Alex Santos, 32 anos, que vinha ao bandejão diariamente.
Junto de Alex, Jorge Luís da Conceição, 46 anos, relata sua preocupação com outras pessoas, além dos moradores de rua, que frequentavam o Restaurante Popular.
Tem muitos aposentados e desempregados que dependiam daqui. Estes não terão onde comer.
JORGE LUÍS DA CONCEIÇÃO
– Ouvi que a prefeitura quer reabrir exclusivamente para moradores de rua. É uma pena, tem muitos aposentados e desempregados que dependiam daqui. Estes não terão onde comer – desabafa ele, que ainda faz um pedido:
– Espero que as pessoas ajudem mais agora, saibam que aqui fechou e vai ter mais gente pedindo comida na rua pelos próximos dias.
Na visão de Roger César dos Santos, 27 anos, o bandejão também servia para os recém chegados na cidade, como é o caso dele. Há três meses, ele saiu de Maringá, no Paraná, para tentar a vida na Capital. Enquanto corre na busca por um emprego, usava o pouco que tem para almoçar no Restaurante Popular.
– Isso aqui me ajudou muito, agora vai ficar mais difícil almoçar com regularidade – conta Roger.
Opções são mais caras
O clima chuvoso da sexta-feira também não cooperou com a busca por almoço dos antigos frequentadores do Restaurante Popular. Na edição de sexta-feira o Diário Gaúcho mostrou como foi o último almoço de frequentadores assíduos do local. Entre eles, o jornaleiro Paulo Águas, 41, que sobrevive da venda do jornal Boca de Rua, veículo independente criado e comercializado por moradores de rua. No primeiro dia sem o bandejão, a opção mais barata que Paulo encontrou foi um buffet livre à R$ 10, perto do sobrado onde vive, que é uma propriedade ocupada. A comida servida no local é bem semelhante as opções que existiam no Restaurante Popular, mas o custo-benefício é o mesmo do das refeições servidas ao custo de R$ 1.
– Esse o mais barato que eu conheço. Mas em três dias aqui eu gasto o que daria para comer um mês no bandejão – explica Paulo.
Com a venda do jornal, ele diz que conseguirá almoçar não todos os dias, mas com uma boa regularidade. Entretanto, preocupa-se com os amigos que vivem na rua, onde ele também já passou alguns períodos:
– De todos que iam no Restaurante Popular, tenho certeza que metade ficou hoje sem ter o que comer. E isso vai ficar se repetindo. Foi injusto por parte da prefeitura tirar o prato de comida de quem não tinha nada mais.