Na segunda noite do Carnaval de Porto Alegre, realizado no Complexo Cultural Porto Seco, milhares de pessoas ignoraram a falta de infraestrutura, pegaram seus respectivos bancos e cadeiras de praia e prestigiaram as três escolas da Série Ouro — Império da Zona Norte, Imperadores do Samba e Estado Maior da Restinga — na madrugada de sábado (16), haviam desfilado as outras três escolas da Série Ouro — Bambas da Orgia, União da Vila do IAPI e Imperatriz Dona Leopoldina. A segunda noite começou com com os desfiles da Série Prata, com os Comanches, Copacabana, Unidos da Vila Mapa, Unidos da Vila Isabel — punida com desconto de dois décimos por atraso —, União da Tinga e Império do Sol.
Os leões alados, símbolos da escola Império da Zona Norte, abriram alas para o que estava por vir. A agremiação apresentou ao público uma viagem à região Nordeste do país, para mostrar a história de São João Batista, com o enredo "Império em Devoção Exalta São João". O tema-enredo é um reaproveitamento do ano passado e buscou levar à passarela do samba mensagens de paz, amor e fé, explica o diretor de Carnaval da Império da Zona Norte, Júlio César Lemos, o Julião:
— A missão de São João era levar uma mensagem positiva para as pessoas. Pregar amor e fraternidade. Por isso, trouxemos em nossas duas alegorias e alas a religião, mas também a parte folclórica ligada às festividades deste santo.
A comissão de frente realizou um verdadeiro casamento na roça, com direito a convidados, quadrilha e padre. A escola oscilou entre alas robustas e outras que contavam com apenas quatro componentes. Porém, as cores vibrantes das fantasias — típicas do Nordeste — animaram o público, que ficou de pé nas cadeiras ou sambando junto ao gradil que o separava da passarela do samba.
A estudante de Medicina Kathleen Pereira, 28 anos, era uma dessas foliãs. Acompanhada da mãe e da filha, ela levou mesa, cadeiras e uma coberta para proteger a pequena, que já dormia no meio da madrugada. Com história dentro do Carnaval, a jovem chegou a ser rainha da escola Bambas da Orgia, no ano de 2013. Por isso, ela não abandonou a festividade nem o Porto Seco neste ano em que a festa popular enfrentou sérias dificuldades para ser realizada.
— Aqui tem pão, suco e frutas. Vim nos dois dias movida pela resistência, pelo gosto pelo Carnaval, pela volta da nossa cultura, pelo retorno da cultura popular que quiseram derrubar, mas que está aqui viva e pulsando — afirma a estudante.
Desfile da Imperadores do Samba
Na sequência, foi vez de uma das gigantes da zona sul de Porto Alegre abrir os trabalhos na pista. Quando foi anunciada a chegada da Imperadores do Samba, diversas pessoas se aglomeraram ao redor da passarela para ver a escola cantar o samba "Imperadores do Samba 60 anos, o Eterno Brilho de Um Diamante Negro".
Com um tripé e dois carros alegóricos, foi contado o aniversário de 60 anos da agremiação. O resgate desta história começou na busca pela ancestralidade e nobreza africana que, segundo o diretor de harmonia geral da escola, Cristiano Oliveira, atravessou gerações e, hoje, se manifesta em cada componente que desfilava.
— Demos um passeio pela historiografia falando de nossas origens cravadas na África, já que nossa escola é oriunda do Areal da Baronesa, bairro com forte presença da população negra e chegamos até os dias de hoje com a influência também da cultura gaudéria — relata Oliveira.
Fortemente emocionado, o diretor de harmonia geral interrompeu a entrevista. Ele desfila na Imperadores do Samba desde 1991:
— É muita emoção, porque, agora, ficou no Carnaval quem é apaixonado por essa festa. E colocar essa escola na avenida no ano do seu aniversário é muito gratificante. Eu tenho a Imperadores na veia.
E a plateia que aplaudia com vigor e entusiasmo cada componente da Imperadores segurou à capela, por duas vezes, o samba. A aposentada Eclair Barbosa, 74 anos, entusiasta da agremiação há mais de 30 anos, eguiu o coração na hora de apontar a possível campeã do Carnaval de Porto Alegre.
— Tenho certeza de que vamos ganhar, foi um ano de muito sacrifício, mas fizemos um ótimo Carnaval para colocar na avenida. Eu tenho orgulho do resultado — afirma, sorridente.
Estado Maior da Restinga
Quando o sol já iluminava o céu da Capital, a Estado Maior da Restinga deu início ao seu desfile. Os tinguerreiros, como são conhecidos, cantaram os mais diversos tipos de realeza desde Maria I, rainha de Portugal, até Pelé, o rei do futebol. Porém, a verdadeira coroação era para a própria escola, destaca o presidente da agremiação, Robson Machado Dias, o Preto:
— Realizamos uma alusão a todos os reis e encerramos nossa participação com o nosso maior símbolo, o nosso rei, o cisne altaneiro. Por isso, abrimos e finalizamos o desfile com ele.
Os imponentes cisnes foram acompanhados por uma terceira alegoria que remetia aos reis do xadrez. Preto afirma que, devido à falta de arquibancadas no Porto Seco, a parte superior do carro não pôde ser contemplada em sua plenitude pelos jurados e plateia. A força da comunidade, que marcou presença em peso, foi um dos motores da escola. Isabel Fabrício, 51 anos, moradora da zona sul de Porto Alegre, se deslocou até o Sambódromo para prestigiar a agremiação do coração.
— A Restinga é o berço do samba. Eles fizeram um belo espetáculo. Viemos para ganhar — afirmou ela, com confiança.
Entre os destaques, as fantasias bem finalizadas e multicoloridas. A bateria foi um show à parte. Ao som dos surdos, cuícas e tamborins, a escola sacudiu os persistentes torcedores que ficaram até o final. Ao término do desfile, enquanto todos se encaminhavam para a dispersão e a diretoria da Restinga trocava abraços calorosos, o presidente da agremiação disse:
— Qualquer um das escolas que passou por essa linha amarela entre os dias de ontem (sábado) e hoje (domingo), já são campeãs. Respeitem a cultura popular do Rio Grande do Sul, respeitem o nosso Carnaval.