O tom verde escuro do lago artificial do Parque Moinhos de Vento (Parcão), em Porto Alegre, vem preocupando quem frequenta o local. A apreensão é sobre os riscos que a água lamacenta traz aos animais que vivem por ali – são dezenas de patos, marrecos, tartarugas e peixes.
Para a advogada Carmen Petry, 57 anos, que mora no bairro Moinhos de Vento há mais de três décadas, a cena do cachorro perseguindo um pato, no último final de semana, demonstra bem a situação crítica do lago. Na ocasião, o pelo claro do cão ficou completamente marrom enquanto ele corria atrás da ave, escancarando a quantidade de lodo depositado na água. Incomodada com a situação, ela chegou a fazer um apelo, pelas redes sociais, para que as pessoas levem água potável às aves.
— O lago está só com uma camada de água, o resto é tudo lodo — reclama, ao contar que, anos atrás, o espaço era limpo. — Sempre trazia meu filho para brincar no Parcão. Uma vez ele foi dar comida para os patos e chegou a cair no lago. Eu puxei ele, que saiu limpinho, sem nada de sujeira.
Assim como Carmen, diversos frequentadores estão levando potes com água e comida para os animais. Nesta quarta-feira (27), um evento no Facebook convidava para uma manifestação em prol do bioma do Parcão.
De acordo com a Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Sustentabilidade (Smams), uma obra de drenagem do lago do parque foi concluída no final de 2018, dando condições para estudos e planos de ação para o desassoreamento do local.
“É um trabalho complexo, que exige recursos e está sendo negociado com as empresas adotantes, as quais, inclusive, já estão orçando o projeto e indicaram interesse na parceria, não prevista no Termo de Adoção”, destaca a nota da prefeitura.
A adoção do Parcão representa investimentos de cerca de R$ 585 mil ao ano por parte das empresas Melnick Even, Grupo Dimed, Grupo Zaffari e Hospital Moinhos de Vento, e inclui a manutenção do espaço com serviços de poda, rega, capina, corte de grama, limpeza e paisagismo. A responsabilidade dos animais, porém, é da prefeitura.
Milho e ração são fornecidos pela prefeitura
Diante da polêmica sobre a nutrição dos animais no Parcão, a Smams informou, por meio de nota, que todos os dias pela manhã um funcionário alimenta peixes, tartarugas e patos com a ração fornecida pela secretaria. “A compra desta alimentação é feita a cada dois ou três meses, e as quantidades compradas foram calculadas pela média de consumo, e são de 600 quilos de milho, 100 quilos de ração para aves e cinco sacas de ração para peixe”, destaca o comunicado.
A nota ainda salienta que é comum o parque receber doação espontânea de ração, “devido à ligação afetiva que os usuários frequentes estabelecem com os animais”.
Especialista orienta a não dar alimento aos animais
O coordenador do curso de Medicina Veterinária da Universidade Feevale, Fernando Spilki, alerta que animais silvestres, como os patos, marrecos e tartarugas que são encontrados no Parcão, têm uma dieta específica. Por isso, o contato com alimentos próprios para humanos pode ser prejudicial.
— É louvável a preocupação das pessoas, mas em lugar nenhum do mundo se recomenda alimentar os animais. Mas não devemos ter a pretensão de tratar animais silvestres como domésticos — ressalta.
De acordo com Spilki, os frequentadores devem cobrar do poder público a alimentação e as condições adequadas. Segundo o veterinário, além de receber ração da prefeitura, esses animais também têm acesso a outros elementos de uma dieta onívora, como grama e insetos.
— Não há motivos para terceiros alimentarem os animais. Eles estão ali para contemplação. Quando existe algo errado, temos que cobrar que o poder público continue dando a alimentação — esclarece.
Sobre o lago, Spilki explica que nem sempre a água com cloro é a melhor opção para os animais.
— É importante que a água esteja limpa, que seja feita uma correção no lago. Mas nem sempre os animais vão entender o pote de água. Temos que analisar se eles não estão adaptados com a situação — observa.
Tratadores garantem ração caso falte
Ubirajara da Silva Santos, 53 anos, é conhecido dos frequentadores do Parcão. Ele sai de casa, em Viamão, pelas 5h. Às vezes pega ônibus. Outras, consegue ir de carro. “Seu Bira”, como é chamado, chega por volta das 6h30min. Passa pela administração e enche baldes com ração – um com cinco quilos de milho, outro, com dois quilos de ração para tartarugas. Enquanto caminha em direção ao lago, atravessando a passarela que liga os dois lados do Parcão, começa o alvoroço.
Funcionário da prefeitura de Porto Alegre, Seu Bira é responsável pela alimentação dos animais do local há 32 anos – outros servidores também compartilham dessa função, todos vinculados à Smams.
Durante a caminhada, ele assovia, chamando os desgarrados que estão espalhados pelos 11 hectares de área verde. Quando chega à beira do lago, uma tropa de animais o espera. Pombas também se aproveitam do lanche grátis.
— A gente não deixa eles passarem fome. Se por acaso faltar ração, a gente (funcionários) compra. Aqui, neste parque, animal nenhum fica sem comida. Capaz que eu deixaria eles sem comida — garante, com o olho marejado.
Questionado sobre a água do lago, ele é direto:
— Qualquer pessoa que passar aqui percebe que algo precisa ser feito.